Já reparou como muitas pessoas, focadas no seu narcisismo, perdem a dimensão da experiência?
Tenho pensado e falado nisso há algum tempo, pois ouço pessoas falando de situações rotineiras e banais, mesmo quando o outro a quem se referem já não faz mais parte daquele espaço onde antes era tela projetiva.
Esse tipo de funcionamento geralmente vem atrelado a alguma paixão, mas paixão por si mesmo, como bem indica o termo 'narcisismo'.
A pessoa, apaixonada pela sua fantasia, vive aquele dilema sem notar que tudo a sua volta mudou.
Falando em Narciso, ele nos serve bem aqui, pois diz a lenda que o rapaz se apaixona pela própria imagem refletida na lagoa. Esse mito traz bem declarado esse amor pela fantasia, pela própria imagem refletida naquela tela, na qual a pessoa imagina ter alguém que a olha na mais íntima e verdadeira essência.
Mas, falo aqui da experiência, e essa precisa de realidade para existir, por mais que a realidade seja subjetiva.
Voltando aos básicos, se tomarmos a história de Narciso, lembramos que, de tanto ele olhar e perguntar para aquela linda imagem quem ela era, ele se perde na própria angústia de não obter respostas e mergulha de cabeça naquela lagoa, morrendo afogado.
Voltando um pouquinho, Narciso está lá,olhando para a própria imagem, acreditando ser um outro. Mas há um outro, o Sol que ilumina aquele ambiente possibilitando a imagem refletida. Outro que está atrás, aquele que oferece a Narciso uma paixão, uma visão, mas que nunca é olhado pelo pobre rapaz apaixonado.
Ora, dando uma certa mobilidade à história, Narciso poderia ter se apegado menos às perguntas rotineiras que ele insistia em fazer e pensar no que afinal é aquele elemento no qual a imagem estava refletida.
A água distorce, a água obscurece e dá opacidade. Desconfiar daquele ambiente, daquela bela verdade, viver o material da experiência possibilitaria a Narciso uma alternativa, mais comedido, mais reflexivo, mais mental, talvez ele teria sobrevivido.
Mas aí, seria outro história, pois se Narciso mudasse de posição, não morreria no encontro ao outro. Para ver o outro, para viver a experiência em sua dimensão maior, é preciso que o narcisismo morra.
Voltando ao mergulho... você pode mergulhar de cabeça, de pé, entrar devagar na água, prender a respiração com a mão, ou não. Enfim há diversos modos de mergulhar que indicam nossa entrega à paixão. Será?
Eu mergulho de pé, mas prefiro entrar devagar na água e só depois de envolvida por aquele ambiente, ir de cabeça.
Nesse calor, ficou com água na boca?
E você, mergulha como?