Foi no momento da esperança que Michael Jackson morreu: foi quando o mundo inteiro esperava seu retorno na velha Londres. Ele quebrou as tradicionais bancas de apostas que se dividiam entre o sucesso estrondoso ou o aplauso de consolação; nem um nem outro, a cada qual agora de decidir, em seu próprio sonho, como foi o último show.
Não perguntem a um psicanalista sobre as doenças psíquicas do menino de Ben. Primeiro porque não se diagnostica à distância, segundo, e mais importante, porque a genialidade de Michael Jackson não cabe em nenhum enquadramento psicopatológico. Michael Jackson não foi o maravilhoso artista porque sofria, mas por ter sabido em sua arte ser maior que o sofrimento que deixava transparecer e que lhe causou tantos problemas. Seria muito reducionista pedir o aval freudiano à historinha pronta a ser acreditada: filho caçula de um pai tirânico, tendo sua infância roubada por uma imposição de trabalho e sucesso, o moço não teria outra opção na vida adulta se não recuperar, em parques de diversões fora de data e em compras compulsivas, a alegria infantil um dia proibida. Por favor, não! Essa história pode explicar muita gente, mas não faz um Michael Jackson.
Nenhum diagnóstico que colemos a Michael Jackson explicará a química de alguém que fez o mundo andar na Lua. Suportemos o silêncio de sua morte e de seu sofrimento. Sua música e seus gestos é o que ele nos deixa eternamente.
Jorge Forbes, São Paulo, 25 de junho de 2009
sábado, 27 de junho de 2009
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Vamos fazer uma festa?!?
Na última semana tivemos: feriado, dia dos namorados, aniversário de tia, dia de santo antônio, parada gay, enfim, muitas comemorações e consequentemente muitas festas.
Diante desse panorama, ouvindo daqui, observando dali, percebi como as festas seguem o modelo de uma antiga psicopatologia chamada Histeria.
A Histeria foi a grande colaboradora de Freud no desenvolvimento da Psicanálise. Foi a partir dos estudos das mulheres consideradas afetadas por essa psicopatologia que ele desenvolveu toda sua brilhante teoria.
Num breve e sintético descritivo, podemos pensar que a Histeria traz um "padrão": a relação com o corpo junto com uma dimensão adicional, a insatisfação.
É um dar-se a ver, uma dramatização, mas que deve evidenciar que ali algo está incompleto, faltante.
Os sintomas dos histéricos fazem sentido na medida em que são a expressão lógica de um trauma psíquico. Esse trauma tem ligação com os impulsos libidinais que haviam sido reprimidos desde a infância. No final do século XIX, a cura deveria considerar o caráter catártico, ou seja, uma descarga emocional que trouxesse a revivência de uma lembrança e da expressão desse trauma, numa narrativa, no contexto de uma relação terapêutica.
Passada essa fase, vamos pensar agora numa festa, seja ela de que tipo for: aniversário, casamento, reunião de amigos, balada, enfim, qualquer festa pede planejamento, tudo pensado e planejado para encenar um momento de felicidade.
O anfitrião pensa em tudo, mas, de uma forma bem obscura, esquece algo que na hora H não terá a mínima importância, mas vai ser o grande assunto, ou seja, aquilo que faltou, será evidenciado, comentado e usado como bode expiatório de qualquer insatisfação que a festa gere.
Os convidados se preparam, figurino de acordo com a impressão que querem causar e adequado à ocasião da festa.
Durante a festa, papo vai, papo vem e claro, os assuntos mais interessantes e que permanecem por muito tempo nas bocas recheadas de comida e bebida: quem NÃO veio, o que NÃO teve, porque NÃO foi.
Tem música, dança, risadas, papos intensos, tudo levando a momentos de catarse, de descarga de energia, de alívio das tensões. Fora os romances, os flertes que sempre acontecem e são um dos principais termômetros para a avaliação do evento: se rolou, "foi demais!!!", se não rolou, "tava boa, mas..."
Enfim, é um grande momento de alegria, de diversão, de esquecer o que se era antes ou o que se voltará a ser depois, é um momento encantado, de fantasia e deslumbramento, mas que a todo momento incita a falta, leva àquilo que não está ali, que angustia por confirmar que não dá pra esconder o que não existe.
Hoje é sexta-feira, dia de Vênus, dia de festa, dia de romance... Ai, ai, ai, juízo!
Diante desse panorama, ouvindo daqui, observando dali, percebi como as festas seguem o modelo de uma antiga psicopatologia chamada Histeria.
A Histeria foi a grande colaboradora de Freud no desenvolvimento da Psicanálise. Foi a partir dos estudos das mulheres consideradas afetadas por essa psicopatologia que ele desenvolveu toda sua brilhante teoria.
Num breve e sintético descritivo, podemos pensar que a Histeria traz um "padrão": a relação com o corpo junto com uma dimensão adicional, a insatisfação.
É um dar-se a ver, uma dramatização, mas que deve evidenciar que ali algo está incompleto, faltante.
Os sintomas dos histéricos fazem sentido na medida em que são a expressão lógica de um trauma psíquico. Esse trauma tem ligação com os impulsos libidinais que haviam sido reprimidos desde a infância. No final do século XIX, a cura deveria considerar o caráter catártico, ou seja, uma descarga emocional que trouxesse a revivência de uma lembrança e da expressão desse trauma, numa narrativa, no contexto de uma relação terapêutica.
Passada essa fase, vamos pensar agora numa festa, seja ela de que tipo for: aniversário, casamento, reunião de amigos, balada, enfim, qualquer festa pede planejamento, tudo pensado e planejado para encenar um momento de felicidade.
O anfitrião pensa em tudo, mas, de uma forma bem obscura, esquece algo que na hora H não terá a mínima importância, mas vai ser o grande assunto, ou seja, aquilo que faltou, será evidenciado, comentado e usado como bode expiatório de qualquer insatisfação que a festa gere.
Os convidados se preparam, figurino de acordo com a impressão que querem causar e adequado à ocasião da festa.
Durante a festa, papo vai, papo vem e claro, os assuntos mais interessantes e que permanecem por muito tempo nas bocas recheadas de comida e bebida: quem NÃO veio, o que NÃO teve, porque NÃO foi.
Tem música, dança, risadas, papos intensos, tudo levando a momentos de catarse, de descarga de energia, de alívio das tensões. Fora os romances, os flertes que sempre acontecem e são um dos principais termômetros para a avaliação do evento: se rolou, "foi demais!!!", se não rolou, "tava boa, mas..."
Enfim, é um grande momento de alegria, de diversão, de esquecer o que se era antes ou o que se voltará a ser depois, é um momento encantado, de fantasia e deslumbramento, mas que a todo momento incita a falta, leva àquilo que não está ali, que angustia por confirmar que não dá pra esconder o que não existe.
Hoje é sexta-feira, dia de Vênus, dia de festa, dia de romance... Ai, ai, ai, juízo!
sexta-feira, 12 de junho de 2009
sábado, 6 de junho de 2009
Viver o corpo do outro
O atraso no post foi intensional.
Ontem fui assistir a peça do Contardo Calligaris, "O homem tarja preta" e queria trazer algumas impressões.
A peça é muito boa: texto, ator, suporte psicanalítico garantindo situações possíveis e cotidianas, humor...
Bem escrita, bem dirigida, bem atuada.
Muita coisa me chamou a atenção, mas algo se destacou por uma notícia que eu tinha lido mais cedo.
O personagem, num dado momento, diz que se vestindo de mulher, ele consegue "saber" o que é ser alguém do outro sexo.
Aplacando a angústia de não se saber quem é o si mesmo? Talvez...
A notícia que se aproxima disso é que a atriz Anne Hathaway está se preparando para interpretar um homem numa peça e estava andando sempre com meia na região do pênis e que estaria vendo o mundo completamente diferente a partir dessa nova condição.
Net Movies no Twitter - Laboratório: Anne Hathaway usa calça com enchimento frontal para interpretar homem
http://gente.ig.com.br/materias/2009/06/03/laboratorio+anne+hathaway+usa+calca+com+enchimento+frontal+para+interpretar+homem+6492906.html">
Como é que isso funciona? Por que essa ânsia por estar num outro corpo, viver o corpo do outro, saber exatamente como esse outro se sente consigo mesmo?
Mais uma vez o significante corpo aparece nesse blog, trazendo possíveis significações e reflexões.
Na infância, uma brincadeira muito comum é usar roupas e sapatos da mãe ou do pai. Isso é muito saudável, pois auxilia, através da fantasia, a criação das identidades. Geralmente a menina se identifica mais com a mãe e o menino com o pai. Mas, nada impede a criança de experimentar "a roupa do sexo diferente".
Na adolescência, quando essa dinâmica de identificações volta com muita força, também fica evidente a busca por um modelo que "vista" bem.
Na vida adulta, as pessoas acabam deixando de lado esses momentos de fantasia e devaneio, criando uma imagem de segurança e certeza. Apesar disso, através da literatura, teatro, artes em geral, é possível sentir emoções aceitas na infãncia e continuar seguindo a vida adulta com a imagem esperada socialmente.
No entanto, hoje, esse contato com fantasias e devaneios está limitado à televisão e à internet, diminuindo a diversidade de personagens e ressaltando uma suposta realidade vivida por um outro que se garante pela tela mágica do vídeo.
Voltando para nossos dois objetos e as questões de experimentar o corpo do outro, penso que em um tempo de múltiplas possibilidades de viver os prazeres sexuais, experimentar a sexualidade, a fantasia dá lugar a viver na realidade aquilo que se supõe desejar. À medida que o "corpo" se liberta dos dispositivos sociais de limites, as fantasias se empobrecem e as demandas por atuar aumentam.
As expressões artísticas trazem sempre uma antecipação do que ocorre socialmente. Menos por sugerir uma moda a seguir e mais por perceber nos pequenos traços coletivos uma tendência que já está em andamento.
Tanto na peça brasileira, como no laboratório da atriz americana, temos aí a fantasia presente, permitindo transitar entre o proibido e o permitido, mas, no entanto, elas trazem claramente um sintoma preocupante, pois enquanto as pessoas fantasiam menos e atuam mais, elas se frustram e angustiam muito mais, se distanciam da grande possibilidade humana que é a de simbolizar e viver analogias e criatividade.
Com isso, infelizmente, se recorre a medicamentos para aplacar a dor de não saber.
Ontem fui assistir a peça do Contardo Calligaris, "O homem tarja preta" e queria trazer algumas impressões.
A peça é muito boa: texto, ator, suporte psicanalítico garantindo situações possíveis e cotidianas, humor...
Bem escrita, bem dirigida, bem atuada.
Muita coisa me chamou a atenção, mas algo se destacou por uma notícia que eu tinha lido mais cedo.
O personagem, num dado momento, diz que se vestindo de mulher, ele consegue "saber" o que é ser alguém do outro sexo.
Aplacando a angústia de não se saber quem é o si mesmo? Talvez...
A notícia que se aproxima disso é que a atriz Anne Hathaway está se preparando para interpretar um homem numa peça e estava andando sempre com meia na região do pênis e que estaria vendo o mundo completamente diferente a partir dessa nova condição.
Net Movies no Twitter - Laboratório: Anne Hathaway usa calça com enchimento frontal para interpretar homem
http://gente.ig.com.br/materias/2009/06/03/laboratorio+anne+hathaway+usa+calca+com+enchimento+frontal+para+interpretar+homem+6492906.html">
Como é que isso funciona? Por que essa ânsia por estar num outro corpo, viver o corpo do outro, saber exatamente como esse outro se sente consigo mesmo?
Mais uma vez o significante corpo aparece nesse blog, trazendo possíveis significações e reflexões.
Na infância, uma brincadeira muito comum é usar roupas e sapatos da mãe ou do pai. Isso é muito saudável, pois auxilia, através da fantasia, a criação das identidades. Geralmente a menina se identifica mais com a mãe e o menino com o pai. Mas, nada impede a criança de experimentar "a roupa do sexo diferente".
Na adolescência, quando essa dinâmica de identificações volta com muita força, também fica evidente a busca por um modelo que "vista" bem.
Na vida adulta, as pessoas acabam deixando de lado esses momentos de fantasia e devaneio, criando uma imagem de segurança e certeza. Apesar disso, através da literatura, teatro, artes em geral, é possível sentir emoções aceitas na infãncia e continuar seguindo a vida adulta com a imagem esperada socialmente.
No entanto, hoje, esse contato com fantasias e devaneios está limitado à televisão e à internet, diminuindo a diversidade de personagens e ressaltando uma suposta realidade vivida por um outro que se garante pela tela mágica do vídeo.
Voltando para nossos dois objetos e as questões de experimentar o corpo do outro, penso que em um tempo de múltiplas possibilidades de viver os prazeres sexuais, experimentar a sexualidade, a fantasia dá lugar a viver na realidade aquilo que se supõe desejar. À medida que o "corpo" se liberta dos dispositivos sociais de limites, as fantasias se empobrecem e as demandas por atuar aumentam.
As expressões artísticas trazem sempre uma antecipação do que ocorre socialmente. Menos por sugerir uma moda a seguir e mais por perceber nos pequenos traços coletivos uma tendência que já está em andamento.
Tanto na peça brasileira, como no laboratório da atriz americana, temos aí a fantasia presente, permitindo transitar entre o proibido e o permitido, mas, no entanto, elas trazem claramente um sintoma preocupante, pois enquanto as pessoas fantasiam menos e atuam mais, elas se frustram e angustiam muito mais, se distanciam da grande possibilidade humana que é a de simbolizar e viver analogias e criatividade.
Com isso, infelizmente, se recorre a medicamentos para aplacar a dor de não saber.
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