domingo, 21 de fevereiro de 2016

A morte nao escolhe, o vivo sim

A morte de Umberto Eco me fez pensar:" a morte não está escolhendo bem."
Em 2015, perdemos muitas figuras importantes no campo do pensamento e da cultura e isso é bastante desanimador, visto que eram significativas para o refletir sobre a contemporaneidade.
Realmente, num mundo em que as brigas políticas, por poder e dinheiro, tomam conta do tema principal dos nossos tempos, ver essas perdas nos assusta.
A morte não escolhe. Ela não faz justiça, apenas cumpre uma função. No entanto, os vivos, na ânsia de fazer justiça, usam a morte. A justiça, nesse caso, é sempre parcial e moral.
Umberto Eco chegou para mim através de um professor de Semiótica, ainda na faculdade. Era um personagem. Idoso, com uma vivacidade incrível. E muito inteligente Usava sempre a mesma roupa, calça jeans surrada e camisa xadrez. Após uma viagem de férias para visitar a filha na Itália, volta mudado. Tinha encontrado Umberto Eco, conversaram e ele decidiu agregar um estilo europeu aqui nas terras brasileiras. A partir daquele momento, usava terno e gravata em todas as aulas. Mas, como o que era singular nele não tinha mudado, apesar de ter sido tocado por um belo golpe do destino, o terno era o mesmo, em todas as aulas. Era urrado e numa cor pouco sofisticada ou elegante, era azul royal. 
Mas essa experiência me encantava: como era possível esse encontro presencial e fácil... ainda mais naquela época, estamos falando dos anos 90, em que o muro já tinha caído, mas as fronteiras ainda estavam de pé.
Mais do que o Araújo, outros professores com quem aprendi também viveram essa experiência. Conheceram um pensador, trocaram com ele, experimentaram aquele vivo que fez suas escolhas.
Se considerarmos as relações da natureza, morre aquilo que já cumpriu sua função na espécie a qual pertence. A morte significa uma perda e aquilo que perdemos vamos tentar achar algo para colocar no lugar. Mas, de fato, muito do que perdemos, é porque já não tinha mais importância.
E isso me leva a perceber que é exatamente isso que vivemos, um mundo em que a importância é outra, seja para os grandes dirigentes, seja para os anônimos.
Se estamos perdendo figuras importantes no campo intelectual, isso reflete nossa atenção ao campo do pensamento. Sim, uma minoria se importa, mas de fato é uma minoria.
A História mostra que a humanidade muda, se "desenvolve" (seja lá o que essa palavra significa), mas o que estamos salvando ou mantendo para o nosso futuro?
Manter vivos aqueles que importaram, usufruir do que deixaram como herança, é essa a possibilidade que temos de 'protestar', diante do que nos parece injusto.

 

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