Ufa, quase 2 meses de vazio nesse blog.
Algumas distrações me fizeram abandonar esse exercício de pensamento e escrita: muitas atividades profissionais, curso de francês, mas realmente não foi isso que pegou.
A principal distração, sem dúvida a mais viciante de todas, foi a Farmville do Facebook, que é um jogo bem lúdico, interessante e possível para algum tipo de discussão do tema de hoje. O tom "politicamente correto" se instaura naquela diversão, mesmo que tudo pareça o mais óbvio. Você começa com uma pequena porção de terra para plantio, pouco dinheiro e quase nenhum vizinho e a partir disso tem que fazer aquilo se desenvolver. É com trabalho diário, estratégia e contatos comunitários que a sua produção e riqueza aumentam. Sem parceria e sem colaboração a coisa não funciona.
Outra distração, em menor grau definitivamente, é mais um aplicativo do Facebook, esse chamado Mafia Wars, que se mostra o oposto do primeiro, sendo que você rouba, mata, assalta, faz acordos escusos e todo tipo de estratégia para se dar bem, enriquecer rapidamente e sacanear o outro - mesmo que ele seja da sua máfia, você não pode se descuidar.
Com tudo isso, meu processo cognitivo e afetivo pulsando e tomada pelo ciclo de conferências Mutações, que esse ano traz o tema da "experiência do pensamento", minha mente estava como que inebriada de elementos.
Quarta-feria: palestra do professor de Teoria Política da Iuperj e da UFF, Renato Lessa - fiquei intrigada com a situação política, que sempre nos instiga e incomoda.
Ontem: ouvindo as notícias da Rádio Eldorado, mais paspalhices nas instâncias de poder brasileiras.
E aí fiquei me perguntando: por que nós, psicanalistas, nos dedicamos a tantas análises de produções artísticas e midiáticas, ou mesmo questões políticas estrangeiras, quando é justamente para esse caos que nos governa que devemos olhar?
Sabemos que quanto mais próximo o conflito, e a mitologia que o envolve, mais difícil achar respostas, análises e soluções.
Evoluindo desse pensamento, é notável o quanto se produz acadêmica e teoricamente hoje e o quanto a vida prática não absorve esse conhecimento, marcando a cisão razão e experiência, produzida pelo intelecto e que sabemos não existir. Me lembrei de uma frase marcante e sempre reproduzida da Lúcia Santaella "nada mais prático do que uma boa teoria."
Muitos pontos disponíveis e apresentados, vamos juntar, ou melhor, associar tudo isso.
Num recorte bem particular de uma colocação do professor Lessa, fica destacado que, hoje somos constantemente chamados à ação política (através de voto, ações comunitárias, etc) como nos moldes das sociedades antigas. No entanto, o modelo de poder e governância está marcado inevitavelmente pelas crenças estabelecidas no cristianismo e todos os séculos da Idade Média e as configurações sociais descendentes disso.
Ora, que formato mais brasileiro esse, não?!? Mestiçagem, poder forçado e irrestrito, ocultamento, etc.
Nós brasileiros somos formados por vários povos, várias mitologias, vários afetos e geralmente elegemos UM para ser o principal, mas esquecemos do restante.
Somos índios, nascidos na mata nativa e tropical, com as regras sociais coletivas onde cada um tem sua função e sua recompensa, mas fomos invadidos e desorganizados sedutoramente por um outro povo, surpreendentemente. Somos também europeus, de traços variados, mas com a energia de conquista tão grande que nos possibilita abandonar o porto seguro, elegendo um novo porto seguro além-mar. Somos negros, arrancados das suas terras, do seu domínio e poder para sermos obrigados a obedecer.
Além dos traços de aparência diversos, nossos traços afetivos e psicológicos também são distintos. Tudo isso forma o imaginário de um povo que não consegue se integrar numa unidade. E mais, esses três grandes conjuntos étnicos que nos formam trazem a carga do medo, da agressão, da luta, da conquista, do não pertencimento, da não propiedade sobre o próprio corpo ou a própria alma. Ninguém mais é, todos estão.
Enfim, o discurso político prega uma nação de ajuda mútua. A prática política efetiva a lei do mais forte, eleito para fazer o que 'ninguém mais teve coragem, atravessar o oceano em busca de novas terras, de riquezas'. Como essa pessoa vai entender que ela deve trabalhar por algo, se, internalizado está que, quem é eleito para tal tarefa deve resgatar o máximo de riqueza e manter os mais fracos sob uma regra rígida?
Como vemos, quando eleitos para qualquer função, seguimos o modelo do europeu conquistador, o sonho de ascender socialmente.
Indiferentes às questões da aparência, diante de uma situação de poder, nos comportamos como aquele que tem a missão de enriquecer sua família. Consequentemente, na posição de trabalhador, assumimos nossa cota de escravos, onde o trabalho é árduo e não-reconhecido ou valorizado, e devemos aceitar qualquer condição, pois não temos escolha, estamos ali porque somos obrigados a estar. E, quando estamos diante daquilo que entendemos como "nativo" em nós, nossa alegria, ginga e desapego material, tiramos a roupa!
Parece que muito disso já foi pensado, avaliado, analisado, mas mesmo assim não sai do mesmo padrão de funcionamento.
Desde Freud sabemos que a cura é possível pela fala. A verbalização, a palavra que usa o corpo para se manifestar tem a propriedade de garantir uma forma para um abstrato e depois de muito se falar daquilo, conseguirmos entender o neurótico naquilo e "abandonar" o sintoma.
Num processo coletivo, não sabemos o quanto isso vai durar, como num caso clínico, o tempo é indefinido, afinal o inconsciente é atemporal.
No entanto, a partir de todo o discurso "subliminar" nas notícias sobre os atos descabidos dos nossos governantes e legislantes, é através da "fala", da "notícia", do "vir à tona" que tantas questões afetivas e sintomas graves de abusos podem ser organizados e elaborados, até que se tornem parte daquele coletivo e saiba-se o que fazer com aquilo.
Não é estranho que os dois jogos do Facebook, citados acima, façam tanto sucesso, pois através deles vivemos situações lúdicas e imaginárias, declaradamente ambivalentes, possibilitando a simbolização dos processos coletivos e políticos que vivemos, disponibilizando a produção de algo com um tom de novidade.
Bom, o post ficou longo e ao mesmo tempo sintético em sua análise, mas visa apenas levantar uma questão que talvez vire um objeto de estudo futuro. Nós brasileiros precisamos perder o medo de mexer nesse vespeiro que é a nossa condição social e política, ir nesse gozo permanente, assim como uma pessoa tem que se deparar com o melhor e o pior de si mesmo numa sessão analítica.
Um comentário:
Muito bom!! ;)
Postar um comentário