sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Escrita na Literatura e na Psicanálise




Em 2014, eu e minha querida amiga Carla Paiva fizemos uma dupla de estudos sobre Escrita, Literatura e Psicanálise.
A troca foi muito rica, ela lendo seus 52 livros em um ano e eu focando em teoria psicanalítica.
Como resultado, um texto mais técnico (meu) e outro mais literário (dela). Até ensaiamos escrever a quatro mãos, mas acho que isso é bem difícil, especialmente para mim.
Com uma lufada de ar, agora coloco o texto para circular.

A Escrita na Literatura e na Psicanálise - por Simone de Paula

O Homem, diante da estupefação da descoberta do que é do seu ser, ou que seu ser interpreta do mundo, inventa a Escrita para representar e compartilhar aquilo que nele é um saber. Ela funciona como um sistema de registro, um ato único, preciso e ligeiro para não deixar escapar o que se lança para além dele mesmo no encontro com o desconhecido.

Mas a produção de registro não se restringe à Escrita. Há outro campo, que utiliza as mesmas ferramentas, ou seja, a linguagem, mas é instigado por um saber que visa desvendar e destrinchar esse processo, a Psicanálise.

Com base nisso, associamos domínios fundamentais tanto para a Literatura quanto para a Psicanálise, definindo um esquema investigativo para a compreensão da integração das forças desses dois campos. Ainda que possuam interfaces tão distintas, eles se acomodam muito bem naquilo a que se destinam.

Na investigação histórica, seja no âmbito da cultura, seja no psiquismo, notamos que há um desenvolvimento desse processo que nos permite avaliar que a Escrita acontece como a produção de uma marca no lugar daquilo que já não existe mais como um presente e uma presença.

Os registros da cultura se encontram desde os antigos traços rupestres nas paredes de cavernas, ou marcas corporais nas sociedades primitivas, até algoritmos digitais dos atuais programas de computador. Esse tipo de Escrita visa representar algo, indicando uma narrativa, que proporciona a indivíduos que pertençam a um mesmo grupo, formas de comunicação, propagando aquilo que se dá como conhecimento. Podemos entender, nesse sentido, que se trata de um texto, um esboço de história, algo na essência da Literatura.

Mas as investigações de Freud nos mostram que o psiquismo humano se forma de maneira semelhante, através de traços que estabelecem uma divisão necessária na mente. Essas marcas constituem um código que produz uma linguagem em cada sujeito, criando um link perpétuo interligando o tempo (presente, passado e futuro) e o espaço (consciente, pré-consciente e inconsciente), num esquema virtual, determinando a imortalidade através do registro.

Ilustraremos esse estudo com o esquema que utilizamos no desenvolvimento da pesquisa, auxiliando a compreensão dos conceitos.

No decorrer deste texto, citaremos três breves trechos da entrevista de Marcel Proust na ocasião do lançamento do volume 1 - ‘No Caminho de Swann’ - da obra Em Busca do Tempo Perdido, onde ele estabelece uma distinção interessante daquilo que tratamos nesse estudo.

Entendemos que a Literatura necessita do texto como a Psicanálise necessita de um mecanismo, uma estrutura. O texto literário pede alguém que o produza e nisso encontramos a figura do autor, aquele que produz enredo, que narra o que o texto traz no seu interior. O mecanismo psíquico também pede ‘alguém’ que o coloque em movimento e aqui encontramos as representações, como nos ensina Freud, ou mais especificamente, o sujeito do inconsciente, como tão bem nomeia Lacan. Um autor escreve a partir de ideias que simulam uma realidade, que partem de uma invenção. Portanto, ele produz ficção. E o que faz despertar o movimento do sujeito do inconsciente como acontece com o autor, se não o próprio desejo?

As figuras de linguagem do texto, metáfora e metonímia, possuem funções semelhantes às formações oníricas da condensação e do deslocamento observadas por Freud. Dessa forma, entendemos que a Literatura constituiria um ‘conteúdo manifesto’ para aquilo que é o ‘conteúdo latente’ que a Psicanálise trouxe a luz. A possibilidade de decifração, própria à Psicanálise, permite inclusive a leitura daquilo que gerou o texto.

A partir desta síntese, algumas perguntas surgem e alguns conceitos merecem maior atenção.




Os dois campos, Literatura e Psicanálise, operam com funções semelhantes, permitindo que iniciemos a leitura e entendimento do texto pela significação mais imediata e aparente. Todo texto possui camadas interpretativas e isso nos leva a desvendar relações observando novos significados que podem ser reconhecidos.

Nesse processo a linguagem é a ferramenta operadora que possibilita a multiplicidade de escritas e leituras. A criação de um texto literário segue esse caminho. Na clínica psicanalítica, o mecanismo funciona da mesma maneira, onde uma pessoa presentifica seu psiquismo através da fala.

“... meu livro... não se trata em nenhum grau de uma obra de raciocínio, é que os seus ínfimos elementos me foram fornecidos pela minha sensibilidade, que os encontrei no fundo de mim mesmo, sem os compreender, tendo tanto trabalho em convertê-los em algo inteligível, como se eles fossem tão estranhos ao mundo da inteligência, como dizer?, como um motivo musical. Parece-me que vocês podem estar pensando que se trata de meras sutilezas. Oh, não! Eu lhes asseguro: ao contrário, de realidades. O que não tivemos de esclarecer nós mesmos, o que estava claro antes de nós (por exemplo, ideias lógicas) tudo isso não é realmente nosso, não sabemos nem mesmo se é real. É apenas uma parte do ‘possível’que elegemos arbitrariamente.”PROUST, Marcel- Em Busca do Tempo Perdido – volume 1 – No caminho de Swann – pág. 569. São Paulo, Globo, 2006

É chamado de autor o operador da função da linguagem na escrita de um texto.

Pensadores como Roland Barthes e Michel Foucault já decretaram a morte do autor. Autor como sendo uma figura de carne e osso, uma pessoa que assumiria o processo de escrever o texto. E, mais do que isso, aquele sujeito provido da potência criativa única e que detinha todo o direito sobre o texto.

Antes do século 20, o autor era o detentor da criação da obra e que depois passa a ser uma função, um tipo de dispositivo que estaria ativado numa pessoa que estivesse num processo de escrita. Ele carregaria mais do que pensamentos e ideias atrelados ao ‘autor-deus’, e teria vida novamente diante do leitor.

O processo de escrita não leva em conta o valor do texto do ponto de vista de obra literária. O ato de escrever em si já carrega consigo essa entidade chamada autor. Para Barthes, é algo da própria linguagem, um dispositivo de rearranjo de palavras, aquele responsável pelo encadeamento de letras, palavras, frases, ideias. Temos depoimentos de escritores que declaram com frequência o quanto o processo de escrita os surpreende e o quanto o texto surge à medida que ele avança. Por mais planejamento que exista, há o imponderável, o ‘acaso’ da própria narrativa. É algo estranho e ao mesmo tempo familiar ao universo da Escrita, funcionando mesmo neste texto que aqui se desenrola.

Para Foucault, o autor seria um discurso, o texto contém um discurso em curso, que determina algo além daquilo que o próprio texto diz.

O leitor agora assume uma posição ativa diante do texto, se coloca como interpretante, produzindo seu próprio texto diante dos elementos que ali se encontram disponíveis. Não temos mais a supremacia do autor, mas uma relação entre quem escreve, o que está escrito e quem lê.

Em meados dos anos 60 / 70 do século XX, o debate sobre essa questão do autor estava no centro do pensamento humanístico. É nesse contexto que Jacques Lacan vem desenvolvendo sua releitura da obra psicanalítica freudiana. Ele ainda investiga o inconsciente como espaço em que as representações se mostram disponíveis para os processos oníricos se formarem e encontrarem um caminho de retorno à consciência.

Freud apresenta o mecanismo de formação do aparelho psíquico em alguns momentos de sua obra. A carta 52, endereçada a Fliess, é um dos textos importantes em que ele descreve todo o processo de inscrição de marcas psíquicas. Estas criam uma divisão no campo da mente, determinando aquilo que estaria no Inconsciente e o que poderia ser transcrito através do pré-consciente para chegar à consciência. Esse processo, assim como a escrita de um texto, nos indica que os elementos estão disponíveis, mas é preciso um operador do sistema. Nesse modelo freudiano já temos a informação de um sistema de uma operação, dentro de um campo, que funciona de acordo com as regras daquela estrutura previamente constituída.

Nos textos anteriores aos anos 70, Lacan constrói uma teoria do inconsciente seguindo o Estruturalismo que imperava como o modelo de pensamento daquela ocasião. No inconsciente, estruturado como uma linguagem, os significantes se articulam, se encadeiam, no intuito de constituir uma escrita da mente. Lacan nomeia esse processo de sujeito do inconsciente. Essa operação permanente, ativada através do desejo, funcionaria pelo movimento de cifrar e decifrar esses significantes que seriam transcritos para a consciência.

Portanto, a mente opera de forma muito similar à escrita de um texto. Tanto um quanto o outro possuem elementos prévios, que pertencem àquele sistema, que serão usados para produzir uma linguagem que comunique algo para alguém.

No processo de articulação da linguagem não há de fato a obrigatoriedade de comunicar algo a alguém, pois o sistema opera incessantemente, pela própria condição mecânica que o mantém ativo. A língua, por exemplo, é um código decifrável por aqueles que possuem o conhecimento do idioma e se mantém viva e em constante reformulação. Um texto literário permanece disponível para a leitura. O próprio mecanismo psíquico de descarga libidinal opera ininterruptamente no encaminhamento das representações em direção à realidade externa, independente da vontade do indivíduo. Mas e então, que mensagem estaria contida nesses textos?

“Para mim, a memória voluntária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos olhos, não nos dá, do passado, mais do que faces sem realidade; mas se um cheiro, um sabor encontrados em algumas circunstâncias totalmente diferentes, despertam em nós, à nossa revelia, o passado, passamos a sentir o quanto esse passado era diferente daquilo que acreditávamos lembrar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com cores sem realidade.” PROUST, Marcel- Em Busca do Tempo Perdido – volume 1 – No caminho de Swann – pág. 569. São Paulo, Globo, 2006

Tanto a escrita quanto a mente produzem texto. É aqui que podemos pensar na narrativa, pois esta, mais do que só conter uma linguagem articulada, veicula uma história, um dito, quer dizer algo de Um a outros.

Essa narrativa é animada pelo desejo, pela ficção que está atrelada no seio da linguagem, no interior dos sentidos das palavras. O objetivo é trazer à tona uma realidade outra, assim como o desejo inconsciente veicula à consciência a Outra Cena, descoberta por Freud.

Freud, no livro A Interpretação dos Sonhos, nos mostra como o inconsciente produz uma fantasia com o intuito de realização de um desejo infantil, que buscaria satisfação no campo da consciência. Um texto, da mesma maneira, contém um desejo, produz algo ficcional que é veiculado por ele, da mente do escritor para a mente do leitor. Cada um dos dois polos representa seus próprios desejos naquilo que interpretam do texto, mesmo que esse expresse uma história comum e que num sentido mais superficial seja compreendido de uma forma semelhante. Vale ressaltar que aquilo que é semelhante não é igual.

O texto carrega uma espécie de morte consigo, pois as palavras escritas permanecem as mesmas, traz a potencialidade de ser lido e relido de formas diversas, diferentes, vivificando essas palavras que a princípio estariam sem vida, fixas. Um texto revive a cada leitura. E voltamos aqui a Foucault, que diz que à medida que o autor é uma função, o texto agora não tem mais um dono e, não só pode como deve ser lido, alterado, reinterpretado.

A ficção é justamente aquilo do processo que permite uma multiplicidade de histórias, de enredos, de personagens, de sentimentos, de ideias, de inovações com as mesmas letras, os mesmos signos, o mesmo desejo, mas encadeados de forma diferente e produzindo novas relações do leitor com sua língua.

Nesse sentido, no inconsciente temos os processos de formação onírica, que operam com os mecanismos de condensação e deslocamento e produzem fantasias figurativamente diferentes, mas que na sua estrutura são montados através de significantes semelhantes, ativados por um mesmo desejo. O sistema opera com elementos repetidos e simula a versatilidade, a diversidade, a novidade, como recurso de satisfação.

“... acredito que é apenas às lembranças involuntárias que o artista deveria requisitar a matéria-prima de sua obra. Antes de mais nada, precisamente porque elas são involuntárias, que se formam por si próprias, atraídas pela semelhança de um minuto idêntico, elas são as únicas a possuir uma marca de autenticidade. Depois, porque trazem de volta as coisas numa dose exata de memória e esquecimento e, enfim, uma vez nos fazem experimentar a mesma sensação em uma circunstância completamente diferente, elas a liberam de toda a contingência, e nos dão dela a essência extra-temporal, aquela que é exatamente o conteúdo do belo estilo, na verdade geral e necessária que somente a beleza do estilo traduz.”PROUST, Marcel- Em Busca do Tempo Perdido – volume 1 – No caminho de Swann – pág. 569. São Paulo, Globo, 2006

O gatilho de qualquer um desses sistemas é o encontro com o real, com o desconhecido. Um acontecimento nos coloca num estado de suspensão temporária de qualquer movimento, transborda limites e pede algum destino, sentido, organização no campo da realidade, física e psíquica. O encontrão do real ativa o mecanismo, produz energia, liga o corpo e desperta a mente.


(dez / 2014)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A ÁRVORE

Antes de virar filme, o projeto do curta "A Árvore", do Jeff Chies, significou muito mais. Arrisco dizer que para ele, foi um mergulho em temas que já eram instigantes, e para mim, parece a passagem de uma relação de colegas de trabalho a amigos de fato. Carrega consigo aquilo que uma árvore é e ainda mais. 
Papos e mais papos, mudanças de vida, mas as 'raízes' permaneciam.E eis que num belo dia me deparo com o filme pronto, realizado, exibido. E me tocou, como o projeto já havia tocado, algo que existe, mas que não tem pressa de ser interpretado.
É nas brechas do tempo que as lembranças trazem as marcas daquilo que deve ser simbolizado. O sincrônico indica que é do lado de fora que aparece o que foi forjado dentro. Um dia no museu Reina Sofia, um vídeo-arte de Jackson Mac Low, com o mesmo nome, igualzinho. Depois, há poucos dias, um vídeo-clipe, de Ane Brun , chamado 'Words', e aí o silêncio não poderia mais ser o signo desse filme, do projeto.




Sobre 'A Árvore', acho bonito, gosto da música, pregna enquanto significante. Saussure usou 'a árvore' como referência primeira da exemplificação da relação indissociável entre significado e significante na formação da menor unidade linguística. O signo, sem o qual não nos comunicamos, pede que aquilo que estaria só do lado da imagem acesse um significado. De que fala o escritor e diretor Jeff Chies quando realiza um desejo de longa data, inspirado por uma cena urbana, leituras, signos diversos vindos de fontes distintas, se condensando num articulado filme, que pede que se decifre o que está por trás da imagem? Que texto está ali, escrito, reescrito, perdido, achado, escondido, exposto? O que tem do Jeff naquelas páginas? Quem é a musa que inspira e a dama que traduz? As cenas são quentes, porque tem um calor pulsional, forte, motivando a verborragia corporal. O excesso escondido se mostra nos detalhes, porque as cenas são limpas, organizadas, esteticamente estruturadas. O encantamento das imagens produz um registro, fazendo com que aquilo que se viu não se esqueça. Me parece que ele é um homem de imagens. O que elas significam fica a cargo de quem quiser interpretá-las a partir de cada singularidade. Mais um semioticista aqui me auxilia, Peirce diz que todo signo carrega um interpretante, que destaca a condição de interpretabilidade. O filme está aí para ser visto e interpretado, disponível para os sentidos e para a imaginação. O filme constrói um signo, se faz signo a partir dos signos presentes e ausentes. 
Escrevo, e penso que eu continuo escondendo o que poderia ser exposto dos enigmas e segredos daquilo que se passa no mais íntimo de cada um de nós, dos nossos desejos, medos, através dessas imagens.  Não viso desvendar, mas instigar.
Escreve-se para tentar tirar de dentro de si o mais singular, mas as palavras não conseguem abarcar a libido que as movimenta. É a libido que circula, que transita entre o que se vê, o que se ouve, o que se sente, o que se lê. Sorte daqueles que conseguem tocar um pedaço disso, num espaço único, privado, apto a ser suporte daquilo que não é do Outro, mas sim do Ser.

Assista o filme, me diga o que ele te provoca, ou só se deixe provocar por ele.

E, você já sabe, se quiser saber mais sobre o que foi citado acima, o Google ajuda.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

1 ano - 12 imagens

Mais um ano começa e vamos ver o que dessas 13 imagens abaixo podemos contar daqui a 12 meses.
Sim, 13 imagens, pois o 'ato falho' da escrita sugere que é necessário uma imagem de síntese, aquela que guia todas as outras. E, se a profecção é de casa 10, que seja o eterno tema de Libra (incerteza e reflexão,) que determine para onde se mira.

IMAGEM 1 - A SÍNTESE
A MORAL DO GOZO É PASSADO E A ÉTICA DO DESEJO É FUTURO
O QUE FAZER NO MEIO DISSO?


IMAGEM 2 -O TOPO E O MUNDO


IMAGEM 3 - TSUNAMI LAVANDO A ALMA



IMAGEM 4 - CORRE, PULA, DANÇA, SE MEXE



IMAGEM 5 - CORPO, ESTRUTURA, MATERIALIDADE DA FORMA



IMAGEM 6 - AQUI, ALI E ACOLÁ



IMAGEM 7 - RASPA O FUNDO DO TACHO E FAZ JORRAR A POÇÃO



IMAGEM 8 - OCUPE O TRONO



IMAGEM 9 - TEM LUGAR PRA TUDO DESDE QUE EXISTA DE FATO



IMAGEM 10 -INVENÇÃO OU IMAGINAÇÃO?


IMAGEM 11 - OLHE, MIRE, DEFINA A ROTA E SIGA!


IMAGEM 12 - TODA POTÊNCIA À SERVIÇO DO ALÉM-MAR


IMAGEM 13 - O QUE MAIS ASSUSTA, A MONTANHA OU O QUE SAI DE DENTRO DELA?


quarta-feira, 3 de junho de 2015

O que resta, o que marca

Acabo de voltar de férias, uma viagem que primeiro foi adiada, depois adaptade e certamente, mesmo muito sonhada, esteve longe de se cumprir como tinha sido idealizada. Mas valeu e muito.
As imagens que ficam e que se dispersam foram aquelas vistas, vividas, sentidas. Os retratos concebidos com pensamentos e sentimentos. Os registros fotográficos, eles impedem o olhar real e esses podemos conseguir de outras fontes. Cada minuto num lugar, numa situação, valem pela realidade do corpo presente, aceso, ligado. 
A escolha do itinerário foi para contemplar vontades, desejos e deixaram no seu resumo uma metáfora de amor, o que se leva de cada encontro amoroso e o que se espera mais ainda daquilo que já foi?
Pois é, pensei assim...

Madri vale um namoro

San Sebastian e Bilbao valem um caso eterno, pode até ser platônico


Bordeaux quero um segundo encontro

O interior da frança quero ir de leve, um pouco de cada vez, explorando, sem compromisso.. Rocamadour, Montignac, Cahors, Lascaux, Périgord, e muitos outros vilarejos silenciosos..







Toulouse já valeu pelo que foi

Barcelona é a pegação, ainda tem noites e mais noites pra curtir, drinks e mais drinks para tomar...


quarta-feira, 29 de abril de 2015

Tchau, meu amor...

"tchau, meu amor..."

Toda a intensidade dos momentos que antecediam a despedida sumiam na suavidade das palavras que deveriam encerrar a conversa. Soava como largar as mãos, distanciar a visão, mas reacendia o desejo de permanecer. Na tentativa de romper, o beijo parecia a forma mais garantida, como se colasse mais e aí soltasse de vez.  Tenta uma, tenta duas, na terceira vez a aceitação, acabou.
Mas o coração palpitava, a cabeça devaneava, o tempo não passava. 
Tinha um cara que falava sobre não desistir do seu desejo, quem iria ceder primeiro. Claro, ele, e mais uma vez o som mecânico dizia, acorda e vem pra vida que vai começar tudo de novo.
Quem tem coragem de dizer que ama, com a plenitude que essa expressão tem dento da boca, sabe que amar leva ao sofrer, mas que vale a pena sempre. Não há nada melhor pra fazer na vida a não ser amar, e dizer sempre: "tchau, meu amor.."

domingo, 5 de abril de 2015

A VOZ


Estava fadada àquele destino. Se escondia atrás de véus, de trapos, tudo em vão.
O som da voz denunciava sua essência, a alma que a habitava.
Nunca soube direito se escolhia as imagens que vestia para esconder ou revelar (rebelar) melhor a face verdadeira do seu desejo. Sofria quando era tomada por essa face, mas era inevitável, pois não tinha controle sobre a musicalidade, o timbre, a singularidade daquilo que saía da sua boca. O que entra se controla, o que sai, não se sabe.
Os anos passaram, ela começou a brincar mais com o que tinha em volta, só então se deu conta que a revelação morava justamente onde ela não tinha acesso e nem controle. Aceitou, mas será que poderia se apropriar disso? Talvez se conformar com ocorrência imprecisa e curtir a brincadeira que isso trazia seria a melhor forma de tomar para si o que era verdadeiramente seu. 
Mas se não sabia de onde vinha, apesar de sair pela boca, e também não tinha controle, será que pertencia a ela mesmo? Se era no olhar do outro, no desejo despertado no outro, não pelo que este via, mas pelo que ouvia e se manifestava nele, era dela mesmo ou do outro?
 Mélange essa era a palavra mais precisa para dizer disso. Com significado de mistura e sonoridade de melado, a palavra desvelava aquilo que ela talvez provocasse quando falava. Uma mistura entre desejo de um e desejo de outro, provocando demandas indizíveis em busca de prazeres nem sempre possíveis.

sexta-feira, 27 de março de 2015

O BEIJO


Hoje faltam as bocas que deveriam ter sido beijadas, ainda que para serem descartadas. Quantas promessa, quanta espera, tudo em vão. O tempo estagnado aguardando atualização, ansiava ainda mais aqueles lábios que nem aparecem mais como perdição. Os olhos se grudavam, se experimentavam, se invadiam na tentativa vã de disfarçar da moral o desejo. Tolice! O atrevido ganha o que o polido adia. Por ali o tempo perdura.

A PROFECIA



A profecia dizia: ora dupla, ora androginia.Mas fêmea como se via, buscava masculamente a parceria.Hermafrodita não se sabia, mesmo diante das contrariedades que vivia.Reclusa durante o dia, invocara Sibila de Cumas, musa apolínea, Sussurrava desejos, rabiscava palavras, mas nem assim se via.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Elisa



(foto de Paolo Roversi para Vogue Itália)

Elisa, que belo nome para uma mulher.
Sonoro, discreto, marcante.
Uma mistura das letras e sons do clássico Alice. Uma revolução.
Na pronúncia do nome os lábios pouco se abrem, mas a língua dança entre o céu da boca e o interior dos dentes.
Quem é aquela que atende por esse nome?
O que desperta em quem chama e o que ressoa em quem atende?
Elisa, disfarça estereótipos, se mistura na multidão, mas carrega o saber do seu alvo, da direção pra onde deve olhar. 
Elisa, luz do dia, brisa da manhã, tranquilidade do silêncio.

domingo, 1 de março de 2015

DOG-BOY

Eu conheci um cãozinho, Dog-boy.
Ele chamava pouca atenção: tinha porte médio, era branco com algumas manchas de cores comuns. Nada demais. Apesar dessa aparência indistinta, ele era um cão muito ativo, não parava, sempre pra lá e pra cá circulando, chafurdando, farejando.
O mais curioso é que ele parecia ser muito interessado no mundo. Atento, olhando tudo e todos com muita atenção. Investigativo, chegava perto e parecia querer muito interagir. Ele rondava, se aproximava, mas perdia o interesse e seguia em outra direção.
Um dia resolvi prestar atenção ao que ele fazia e por que se desinteressava. E notei que ele tinha um limite, ele estava preso. Pensei: mas que coisa, como pode um cão sem coleira estar preso?
Observei o espaço que ele ocupava e percebi que não aparecia nenhum dono, nem voz de dono. Ele estaria sozinho? E por que permanecia ali, brincando apenas naquele espaço restrito? O que não havia me dado conta é que tinha uma fronteira entre ele e o mundo. Ele estava num quintal, na frente da casa, mas entre ele e a rua tinha um belo portão. Como o portão era baixo, nem imaginei que isso o limitaria. E se ele quisesse, o portão não seria problema para ele sair e explorar aquela imensidão que passava pelos seus olhos, pelo seu faro. Fato é que Dog-boy não fugia. Ficava ali, serelepe, animado, mas obediente ao seu amo, delimitado pelo quadro que lhe tinha sido designado.
Dog-boy era um cão safado, porque não tinha carisma, mas se mostrava para quem dali se aproximasse. Ganhava pouco tempo de atenção e guardava aquilo como um trofeu da sua aventura. O que faria Dog-boy viver alguma aventura um dia? Como será que ele atravessaria aquele portão? Daí fui eu que fiquei presa naquela teia de fantasias e suposições, ligava naquele cãozinho, na rua, separada por aquele portão. 
Um latido vindo de outro lado me acordou. Percebi que Dog-boy tava todo excitado com o cachorro saltitante que passeava com seu dono e isso me deu a pista pra entender quem era Dog-boy, o cão que não late, não morde, só fareja.
(Simone de Paula - 31/1/2015)