terça-feira, 2 de junho de 2020

Arthur Bispo do Rosário






A obra do artista Arthur Bispo do Rosário não pode ser descolada da sua biografia. Quando olhamos para os trabalhos de bordado ou as séries de objetos organizados de forma lógica, notamos ali muitos elementos que fizeram parte da sua história.
As informações que temos do artista são fragmentadas, carregando mistério e dúvidas. Da infância não se sabe praticamente nada. Sobre a filiação e local de nascimento, esses dados são contraditórios. Sabemos das ocupações que ele teve: a passagem pela marinha, as lutas de boxe, o trabalho de manutenção na Light, o faz-tudo em casas de família, principalmente a família Leoni, advogados do Rio de Janeiro e sua longa permanência na Colônia Juliano Moreira, instituição manicomial na qual esteve quase 50 anos da sua vida. Mas os registros não confirmam as histórias reproduzidas.
Tudo carrega uma aura mítica. Ele nasceu em Japaratuba, Sergipe, no ano de 1909, mas renasceu no Rio de Janeiro, em 1938, quando teve o grande surto, em que passou a se dizer Jesus, filho de Deus, carregando seu discurso com os delírios religiosos. A partir dali, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, passa a confeccionar suas obras. Vive cada vez mais recluso. Encontra meios de conseguir os materiais para a confecção da sua grande obra, o Manto da Apresentação, com o qual encontraria Deus. Ele desfazia os uniformes de internos da colônia para utilizar os fios nos seus bordados. Os funcionários, vendo esse incansável trabalho, passaram a colaborar com esses materiais. O intuito era traduzir com desenhos e palavras uma miniatura do mundo para levar para deus no dia de sua morte, o encontro com aquele que ele chamava de seu pai.
Ocupou muitas salas da colônia com suas obras. Fazia, desfazia, refazia. Não deixava que ninguém tirasse nada de lá. Não entendia como arte, mas dizia ouvir vozes, vozes que ordenavam que ele fizesse aquele trabalho, vozes de deus. A angústia dessas vozes o mantinha cativo dessa condição. Além disso, também entrava em longos períodos de mínima ingestão de alimentos, porque deveria se tornar transparente.
Bispo tinha uma frase para quem quisesse entrar no seu mundo, nas celas que continham sua obra, “qual a cor do meu semblante?, “qual a cor da minha aura?” Qualquer cor que dissessem era o passe para a entrada, não importando qual fosse.
Com a personalidade forte, ele conseguia fazer-se obedecer pelos outros internos, colaborava com os funcionários da instituição, com trabalhos e ordenação dos outros pacientes e com isso ganhava cigarros ou materiais para suas obras.  
Com a reforma da instituição, que estava largada e degradada, ele conheceu Rosângela Maria, uma estagiária que reagiu diferente àquela pergunta e como ele era tratado. O intuito dela era tirá-lo daquele estado autístico em que se encontrava, propor algum tipo de simbolização, além da própria obra. Ele reagiu a isso, criou um grande afeto por ela. Dizia que ela era diretora de tudo que ele tinha. Criou uma relação, fez obras para ela, permitiu que entrasse em seu mundo de uma forma diferente. Ela sabia que teria um fim esse trabalho e estabeleceu com ele também um processo de simbolização de uma separação.
É interessante pensar aqui a presença feminina de uma mulher alterando o estado delirante, trazendo algo que causou uma mudança subjetiva em Bispo. Ele tinha uma idéia muito rígida e moralista em relação às mulheres. Praticamente nada se sabe da vida sexual ou da sexualidade dele. Mas, diante dessa mulher, algo se revelou. Ele pede para ela se vestir diferente, quer torná-la o modelo do seu objeto de desejo. Ela resiste e segue com lucidez pelo trabalho que está fazendo. Algo aparece na obra dele nesse sentido, pois ele passa a criar um trono para ela, um ninho de amor para eles, algo particular e não apenas ‘miniaturas do mundo’ para apresentar a deus.
Nas obras encontramos tanto referências religiosas, quanto náuticas e militares. E ainda, temas de jornais sobre acontecimentos no mundo. Além do Manto, que é completamente bordado por fora e por dentro, até mesmo entre as bordas, ele também fez tais trabalhos de bordado em muitas jaquetas típicas de militares e procissões religiosas do nordeste. Se sabe que o ponto usado por ele nos seus bordados, é um ponto único, particular do artista. Ele também usou materiais que tinham sido jogados fora, quebrados, espécies de dejetos que retornam para um novo lugar, reorganizados de forma lógica. Construiu e reconstruiu objetos na sua miniatura do mundo.
Sua obra hoje pertence ao governo do estado do Rio de Janeiro, sob os cuidados do Museu Bispo do Rosário que fica dentro da Colônia Juliano Moreira. 

 Simone de Paula

"A água e a navegação tem realmente esse papel. Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer." Michel Foucault














Fontes de pesquisa
Livros
Jornalismo Cultural - Jorge Anthonio e Silva
Arthur Bispo do Rosário Arte e Loucura - Jorge Anthonio e Silva
Links
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Ros%C3%A1rio
https://museubispodorosario.com/arthur-bispo-do-rosario/
https://www.escritoriodearte.com/artista/arthur-bispo-do-rosario
 

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