sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Quatro cinco um

Em julho deste ano, escrevi um texto que foi publicado na sessão de cartas dos leitores da revista de livros Quatro Cinco Um - Folha SP / UOL, por conta do isolamento durante a pandemia da covid-19.

Minha casa é o meu país.

Talvez essa frase já tenha sido dita por aí, por alguém. Mas hoje ela saiu da minha boca de forma muito espontânea e ainda foi concluída por uma quase gargalhada.

Perguntada sobre como iam as coisas durante a pandemia, pensei brevemente e calculei, num segundo, que tudo se passa aqui, em casa. Tudo que faço é aqui dentro.
Já me dei conta que cada cômodo acomoda  duas ou três atividades diferentes, oferecendo cantos distintos para momentos específicos. Multipliquei espaços.

Meu escritório, que também é sala de tv, agora mais tem atribuições: dou e assisto aulas, faço grupos de estudos e acompanho e faço as lives relacionadas com esses temas. Além disso, é setting analítico, meu e do meu analista. E, por fim, ainda dá espaço para sala de meditação e curso de mindfulness. Esse lugar rende. Tem espaço bom, iluminação, sol na medida certa.

O quarto, esse parece que se manteve como de costume, acolhendo meu corpo para as atividades comumente exercidas lá. Não entrarei em detalhes, cada um sabe para o que um quarto serve. E o banheiro, idem.

A sala ficou mais aberta, coloquei os móveis nas paredes dos cantos, virou academia! Yoga, pilates, combat.

Meu marido faz caminhada, anda vigorosamente pela casa toda durante meia hora, diz que faz suar. Ele também ocupa a mesa de jantar, ali é o seu escritório. Quando faz aulas, permanece no mesmo lugar. Mas quando vai dar aula, reveza comigo o escritório. Tem funcionado. 

Na cozinha comemos e preparamos as refeições. Ela é bem ativa num sujar e limpar infinito. Aproveitei e fiz coisas pela primeira vez: pão de fermentação lenta, essências de laranja e cravo para pães e banhos fitoterápicos e energéticos, e outras receitas de nacionalidades diferentes. Eu e uma amiga trocamos receitas e comidas toda semana, tem sido muito divertido a manutenção de um espaço criativo nesse sentido.

A área de serviço permanece com roupas sendo lavadas e passadas e as plantas parecem abaladas pela falta da melhor amiga delas, que limpava a minha casa uma vez por semana e que quarentena também. 

No quartinho dos fundos, um cavalete de pintura dele, um espelho para tirar sobrancelha e cortar cabelo, nosso. Atividades básicas de manutenção da vida.

Amigos via skype, whatsapp, facebook e instagram. Tá tudo aqui, dentro do celular.

E, como disse eu hoje cedo: minha casa é o meu país.

Simone de Paula

https://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/noticias/viagem-a-roda-de-meu-quarto/depoimentos-sobre-a-quarentena-julho 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

A garota dinamarquesa

Em 2018, escrevi um ensaio sobre psicanálise e cinema, para a revista eletrônica Deriva, em que tratei do filme A garota dinamarquesa.

Quem ainda não leu, segue o link.

https://derivaderiva.com/a-garota-dinamarquesa/

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Do silêncio ao riso

O texto abaixo é uma produção para o grupo Corpo (en)CenaSP, em tempos de pandemia do Covid-19.
O projeto Corpo (en)Cena, vinculado à Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), acontece no Sul num formato que inclui a presença de artistas para trabalharem seus processos criativos. E em São Paulo, nos encontramos mensalmente para discutirmos textos e artistas, seguindo as intersecções entre Psicanálise e Arte.
Em função do isolamento que vivemos nesse ano de 2020, estamos impedidos de nos encontrar presencialmente. Em Porto Alegre as atividades estão suspensas e no núcleo São Paulo, tentamos nos ajustar através das plataformas de encontros virtuais. Para dar Corpo ao corpo que falta em presença, combinamos de produzirmos textos que instiguem e provoquem reflexões sobre esse momento.


Foto de João Becker

Do silêncio ao Riso


As marcas do nosso tempo estão em tudo que nos rodeia, afinal, a existência se dá a partir dos nomes com que chamamos as coisas. Cada realidade é significada a partir da língua que designou como cada objeto chama, e nesse sentido, o sujeito precisa encontrar um espaço para se manifestar.
Crise sempre há, dentro ou fora de nós. Afinal, dentro e fora é só um jeito de estabelecer limites para a continuidade que abrange o campo da linguagem.
Em meio a uma pandemia, tivemos que reorganizar os modos de vida, espaços e existências. Tentamos dar o mesmo nome e destino para o que antes estava definido por um certo modelo. Mas essa tentativa é sempre uma aproximação. Nossas vidas, que antes buscavam o isolamento para ter escolhas pessoais exclusivas, possibilitando maiores modos de prazer, agora deram lugar a inúmeras formas de reunião, querendo estar junto mais do que nunca. É preciso falar, ver, tentar tocar através de palavras e gestos, uma vez que se evidencia o quanto os corpos não estão presentes.
O bar virtual, o ensino à distância, o trabalho remoto, são as novas montagens que possibilitam manter as atividades cotidianas e ainda assim mirar no outro. As fotos incessantemente publicadas nas redes sociais, mostrando prazer e sucesso nas conquistas individuais (mesmo que acompanhada de outros), parecem não ter mais razão de ser. Agora, as câmeras ficam fechadas para que não se veja o rosto sem maquiagem ou o ambiente íntimo mal arrumado e dividido com aqueles com quem se habita uma casa.  A angústia da proibição em encontrar, beijar, abraçar, pegar, aparece na intransigência em seguir as normas sanitárias. Por trás desse aparente descaso com a proteção pessoal, está a dificuldade em não se saber se o outro está lá. Esse outro pode garantir que se exista enquanto alguém que é validado pelo que se tornou. As identidades caem quando não percebemos o olho do outro nos olhando, confirmando que estamos ali.
A falta desse corpo do Outro, que parece uma extensão do nosso próprio corpo, provoca um silêncio na protorrelação que estabelecemos com nossos semelhantes. Não é um silêncio de pausa que engata uma nova palavra, mas uma espécie de vazio, revelando que o Outro não está lá. A incerteza sobre o ser, aliada ao vazio do lado de lá do espelho que o outro sustenta, nos leva ao mais básico dos nossos afetos, desperta uma infinidade de choros e apelos em vão. O silêncio se transforma em irritabilidade. Na ânsia de aliviar o desprazer desse desencontro, reencontramos com algo que já tínhamos esquecido que existia, uma espécie de nada. Agiganta-se a necessidade de se livrar do desprazer.  
Comigo também tem acontecido assim e escolhi dar o nome de raiva para isso.
Tenho participado de encontros virtuais com amigos, um grupo que pratica meditações e mindfulness. Combinamos de fazer num sábado um mini retiro do silêncio. Aquela coisa que funciona bem saindo do nosso habitat natural e indo para a natureza, isolada. Agora, com o isolamento em casa mesmo, o retiro dos que se retiram, se passa no mesmo ambiente em que tudo acontece há mais de cem dias. E seguimos.
O dia começou cedo, lento e chuvoso. O meu humor era oscilante entre a melancolia que acompanhava a cor cinza do céu e a guerra produzida na minha cabeça, destruindo com palavras quem não consigo destruir de forma real.  Corpo e mente ativados por afetos que nem  sei por que são causados.
As meditações ficaram sem silêncio. A angústia alarmante da mente aumentava o volume da raiva, e o corpo aflito pedia: me mexe! Obedeci, mexi.  Ou a raiva cai, ou ela dói. A raiva se foi. Em parte era energia contida, direcionada para quem eu escolhi por naquele lugar de alvo e oponente.  O pensamento fluiu melhor como o ar nas minhas narinas. Parece que com isso um silêncio afetivo se instalou, um espaço ao invés do acúmulo anterior. Parte do desprazer não estava mais colado em mim. Mas ainda eu não estava conectada de fato, estava meio deslocada. Um tipo de tristeza se deu quando a raiva passou.
No fim da tarde, na reunião com outro grupo, encontrei  Mullá Nasrudim. Esse sim, me mudou.
Nasrudim é um sábio sufi, do império seljúcida, contador de histórias humoradas, com estilo de parábola, que provocam o efeito cômico. O jogo de ideias nos leva além do riso fácil, imediato. A estrutura das anedotas permite que cada piada possa ser interpretada e reinterpretada. Funcionam como trabalho de linguagem, em que a própria lógica mostra que a realidade é tão particular como nossa mente. A rapidez com que mistura as diversas camadas simultâneas condensadas ali, garante o efeito de chiste e despertam novos destinos no percurso do pensamento.
Naquele sábado, Ele veio das Arábias para o ocidente, através da voz potente de um mago.  Era a voz que carregava o olhar para outro lugar. O interpretante desse cenário revela que na tradição oriental quem conta um conto de Nasrudim deve contar sete. O espírito místico atravessou as palavras, invocou um Outro destino aos afetos despertos. Na primeira anedota, eu apenas sorri. Cheguei à sétima, com o riso solto e alegre. Quando o encontro se encerrou, eu realmente era outra.
Não saberia dizer o que aconteceu, só observei que aconteceu. Mais do que perseguir o caminho que o pensamento trilhou, prefiro saber que novos caminhos ele percorreu.
Se não encontrei o silêncio pela manhã - aquela quietude que poderia despertar novos destinos para meus pensamentos, afinal eu estava em guerra com o Outro - no fim da tarde encontrei o riso – que brinca com ideias, palavras, sons e imagens, articulando dois universos que devidamente embalados pelos meus afetos, criam novos humores, provocam novos amores.
Fiquem com Nasrudim:
Quando o dono do restaurante disse que o mendigo teria que pagar a fumaça da carne, Nasrudin pegou um saco de moedas de ouro, sacudiu-o perto da orelha do homem e perguntou:
– O que você está escutando?
– O tilintar das moedas.
– Muito bem, – disse Nasrudin – esse é o seu pagamento. O som das moedas é um ótimo pagamento para o cheiro da carne. Caso encerrado.

Simone de Paula

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Milagre da manhã - Quais as pegadinhas do método?





Fui convidada para uma live do @estilando.oficial, no instagram, e  resolvi falar dos seis hábitos chamados ‘milagres da manhã’.
Esse método, mais do que regras de conduta que garantam sucesso, serve como guia.
Vou abordar aspectos que auxiliam a perceber as pegadinhas, gatilhos, sabotagens que atrapalham o resultado prometido. E mais, apontar aquilo pode nos leva a entender para onde segue o nosso desejo, que nem sempre está de acordo com as nossas supostas vontades.
O americano Hal Elrod, escreveu esse livro, “Milagre da manhã”, depois da experiência de ter sua vida falida. É possível encontrar nas livrarias, pdf na internet e ainda audiobook. É fácil acessar. Se quiser acompanhar tudo o que ele diz, é só recorrer a isso.  
A linguagem do livro é de caráter motivacional, insistindo na repetição de exemplos e vozes de comando para que se acredite na fórmula mágica. Tirando essa maquiagem, esse trabalho de disciplina, compromisso e esforço, permite muitos resultados interessantes, tanto no campo subjetivo, nossas impressões, como no campo objetivo, o que muda na nossa realidade prática.
É interessante falar disso para as pessoas que estão com ideias ou planos e nem sabem como colocar em ação. 
Devemos lembrar que quando estamos ‘famintos’, em um grau de necessidade maior, geralmente depositamos mais energia nas nossas ações. É o momento do tudo ou nada. Mas, é justamente aí que mora uma pegadinha, pois nenhum método foi feito para ser utilizado de forma imediata. Ter uma metodologia para algo serve justamente para que isso se desenvolva num longo período de tempo, com consistência e permanência.
Sou psicanalista e lido diariamente com aquilo que escapa a tudo isso, ao bom funcionamento dos métodos, e por isso trago ‘as pegadinhas’.  Dentro da clínica, tenho a minha orientação profissional e trabalho com ela. Fora da clínica tenho meus interesses pessoais e temas que gosto de testar.
Muitas vezes temos intenções, ou mesmo disciplina, mas não chegamos lá, por travas inconscientes, geralmente. Porém, há alguns campos de conhecimento pautados em atitudes mais objetivas que podemos experimentar. Tais como esse aqui, o dos seis hábitos da manhã.
E por que pela manhã? Claro que você pode fazer à noite, se for notívago, porém, pela manhã, nosso corpo, e mente, estão descansados. Durante a noite, o corpo se refaz dos desgastes do dia. E a mente, faz uma organização dos aprendizados, vivências, impactos emocionais que sofreu. Os sonhos inclusive são parte desse processo de elaboração das experiências do dia.  Se você acorda de manhã com preguiça, investigue seu dia anterior, o que come, quanto você gasta de energia com tarefas físicas, como vai para a cama, se usa demais equipamentos eletrônicos. Tudo isso influencia no sono e consequentemente no despertar.
Os orientais geralmente dizem que precisamos pensar bem, para falar bem, para agir bem. E nesse sentido, o trabalho da mente deve passar por um processo de conhecer seu funcionamento, descobrir dinâmicas e técnicas que auxiliem na obtenção de resultados. Nossa mente comanda tudo, mas ela também mente. Ela cria ilusões e distorções, nos colocando em armadilhas feitas por nós mesmos, tanto nos pensamentos / raciocínio, o aspecto lógico, como nos sentimentos / emoções / impressões dos cinco sentidos do corpo, o aspecto estético, e ainda, no aspecto ético, que tem a ver com as nossas ações, nossa moral e nossos ideais. Por isso, seguir um método é fundamental para percebermos onde falhamos e como podemos lidar com essas falhas.
Vamos aos seis milagres da manhã.
O método consiste em acordar antes do habitual (entre uma hora e uma hora e meia mais cedo), executar as 6 atividades listadas abaixo e persistir. Todo bom método é simples, direto, sem grandes desafios de entendimento. Além disso, ele também não requer nenhum elemento muito especial, basta você e o ambiente onde estiver. Quanto mais simples, maior a chance de praticar, independente de onde esteja, colaborando para que não utilizemos as eventuais desculpas para desistir.
1. Meditação – 10 a 15 minutos
Silêncio, foco, estabilidade, quietude, concentração. Tudo isso vem com a meditação. Há inúmeras técnicas, e o interessante é experimentar até perceber qual funciona melhor. Estudos são feitos há anos sobre os resultados obtidos com a meditação. Neurocientistas conseguem apontar atividades cerebrais que indicam esses efeitos. Porém, mais do que a constatação externa, o importante é saber como isso vai funcionar para você. Sem dúvida, conseguir se ISOLAR DOS APELOS do mundo externo nos dá ALÍVIO para podermos deixar nossa mente mais limpa, clara, disponível para ver o mundo além do que acreditamos dever enxergar.

2. Afirmação – 5 minutos

Escreva suas afirmações (o que se quer, com clareza nos objetivos) e leia em voz alta diariamente

É preciso atenção já nessa segunda tarefa, pois ela pode conter inúmeras pegadinhas.
Ela deve ser tratada como um sonho, um desejo. Não podemos colocar amarras, rédeas, tentando conduzir que caminho isso deve tomar para chegar onde queremos. Sonhar, desejar, é deixar que isso fique livre para encontrar um destino. O elemento água pode nos ajudar a entender. A água flui. Sua natureza é justamente essa, fluir. Ela não tem presa, ela apenas tem um curso a seguir. Se há barreiras, limites, ela se acumula até conseguir ultrapassar esse impedimento. A água não para definitivamente, ela para temporariamente.
Uma pergunta aqui, que deve ser respondida mais com o coração do que com a cabeça, é: você quer o que você deseja? Se há uma apreensão sobre isso, reflita mais.
No yoga, temos algo parecido, chama-se Sankalpa, que significa resolução. É uma frase curta, concisa, clara e altamente evocativa. Positiva, decidida, repetida 3 vezes, de forma plena e segura, logo após a meditação. 
Use o tempo para desenvolver essa afirmação ou avaliar se a afirmação se escolheu realmente é pronunciada com segurança. Se ainda titubear, pense melhor no que quer.

3. Visualização – 5 minutos

Visualize e mentalize o que você quer.

A visualização envolve a imaginação ativa, que funciona através de um processo que inclui os sentidos corpóreos, como sentir, ouvir, cheirar, degustar e olhar aquilo que se quer. Quando sonhamos, é como se estivéssemos vivendo aquela realidade paralela. Aquelas imagens são verdadeiras, reveladoras do que se passa na nossa mente e que nem mesmo nós sabemos que estão ali, são muito pregnantes. Através disso que percebemos pelos sentidos, despertamos emoções, que indicam se uma situação é boa ou ruim, prazerosa ou desagradável, segura ou ameaçadora. Esses sentimentos devem ser incluídos, ou melhor, percebidos na imaginação ativa. A concentração que é conquistada diariamente na meditação, vai ajudar a notar o que se sente quando se vivencia alguma coisa.
A imaginação ativa é diferente do devaneio, porque este leva à dispersão, não tem foco e nem conscientização do que se está fazendo. É diferente da visualização.
Quais as pegadinhas que a gente nem sabe que são limitadoras para a realização dos nossos desejos?
Durante esse processo, perceba para onde sua mente te leva, o julgamento crítico, que voz fala com você internamente e o que ela te diz. Não recuse isso inicialmente, acolha isso mesmo que é você querendo ter uma atenção. Deixe que isso flua para que você entenda onde e porque você se trava.

4. Exercícios físicos – 10 a 30 minutos

Se você já tem o hábito de praticar atividades físicas em outros horários, opte por algum tipo de alongamento ou asanas de yoga, algo para mexer o corpo. Caso escolha fazer a atividade completa nesse horário, considere o período mais longo do método e também o tempo do banho.
Mas é muito importante saber que quando fazemos exercícios, especialmente exercícios aeróbicos, exaustivos, em que nosso corpo depois de um tempo, passa a focar no esforço, nossa mente fica livre produzir ideias, insights. Não deixe de anotar, pensar nesses inputs que aparecem na sua consciência.
O que acontece aqui é que corpo e mente são integrados e através do corpo nossa mente quer buscar prazer e evitar desprazer. Então, se durante a prática essa busca já está preenchida, alguns pensamentos que ficariam em segundo plano, entram na consciência.

5. Leitura – 15 minutos

Geralmente se pensa em ler algo que tenha a ver com aquilo que você deseja conquistar. Mais regras, mais métodos, mais experiências de superação. Mas afinal, já vimos antes, você quer o que você deseja? E mais, quanto pode uma leitura fora de um tema especifico nos inspirar sobre aquela questão que buscamos solução?
Poemas, romances, contos, a leitura de textos literários, com caráter ficcional ou poético, provocam nossas emoções, despertam outros campos, diferentes do raciocínio lógico.
As respostas às nossas dúvidas nem sempre estão onde acreditamos que elas estejam. É poder achar aquilo que nem sabíamos que procurávamos.

6. Escrever um diário – 5 a 10 minutos

A escrita de um diário serve inicialmente para você ter um interlocutor exclusivo para te dar ouvidos. Nem sempre as pessoas à nossa volta querem saber dos nossos planos e questionamentos. E aqui, além de colocar em palavras, para que qualquer um entenda - afinal, escrever é seguir regras gramaticais, usar palavras adequadas - você vai dando corpo para o que quer. Assim você pode ver como aquilo que parece claro na sua mente, nem sempre é tão claro assim.
É muito comum que no começo do diário não se saiba o que escrever direito, nem o que se deveria escrever ali. O texto geralmente vem cheio de dúvidas e expectativas. Depois, ele vai se tornando mais subjetivo, com sentimentos em relação ao que está fazendo, como está se sentindo no processo. Por fim, ele fica mais focado e objetivo. Dali podem sair os planos para a realização de algo que verdadeiramente você queira.
Escritores e poetas carregam sempre seus cadernos de notas, desenhistas vivem com seus sketchbooks, artistas em geral utilizam esse método, pois colocam ali tudo que os inspira, mesmo que aparentemente sem ter a ver com algo que estejam criando. Fica anotado, registrado. E o diário, na adolescência, é um meio de atravessar um período onde nos sentimos sozinhos, ou queremos colocar nossos melhores segredos. E nesse processo, é nosso espaço de registro, garantindo que uma história vá sendo contada.
Mais do que criar pastas no pinterest, adicionar páginas aos favoritos do seu navegador, o diário coloca o seu corpo ali no caderninho. É você ali, com o esforço de escrever, pensar, registrar. Colocar o corpo em ato é a forma de realizar algo.
 Isso tudo, no final, parece mesmo um milagre.

MILAGRE

substantivo masculino
  1. 1.
    ato ou acontecimento fora do comum, inexplicável pelas leis naturais.
    "milagres da Virgem"
  2. 2.
    acontecimento formidável, estupendo.
    "m. da medicina"
  3. 3.
    evento que provoca surpresa e admiração.
    "é um m. que tenha passado no concurso"
  4. 4.
    história do teatro
    tipo de drama medieval edificante, baseado na vida dos santos e seus milagres.
  5. 5.
    religião
    qualquer indicação da participação divina na vida humana.
  6. 6.
    religião
    indício dessa participação, que se revela esp. por uma alteração súbita e fora do comum das leis da natureza.
  7. 7.
    brasileirismoBrasil
    objeto de madeira ou cera, freq. a reprodução de uma parte do corpo, oferecido aos santos em cumprimento de uma promessa.
  8. 8.
    brasileirismoBrasil
    representação pictórica legendada do fato que originou a promessa, oferecida aos santos como pagamento de seu cumprimento.
Origem
⊙ ETIM lat. miracŭlum,i 'prodígio, maravilha, coisa prodigiosa, extraordinária'
  
"Que o teu orgulho e objetivo consistam em pôr no teu trabalho algo que se assemelhe a um milagre."
Leonardo da Vinci

"No desespero e no perigo, as pessoas aprendem a acreditar no milagre. De outra forma não sobreviveriam." - Erich Remarque 

"Há duas formas para viver a sua vida. Uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre." - Albert Einstein

terça-feira, 2 de junho de 2020

Arthur Bispo do Rosário






A obra do artista Arthur Bispo do Rosário não pode ser descolada da sua biografia. Quando olhamos para os trabalhos de bordado ou as séries de objetos organizados de forma lógica, notamos ali muitos elementos que fizeram parte da sua história.
As informações que temos do artista são fragmentadas, carregando mistério e dúvidas. Da infância não se sabe praticamente nada. Sobre a filiação e local de nascimento, esses dados são contraditórios. Sabemos das ocupações que ele teve: a passagem pela marinha, as lutas de boxe, o trabalho de manutenção na Light, o faz-tudo em casas de família, principalmente a família Leoni, advogados do Rio de Janeiro e sua longa permanência na Colônia Juliano Moreira, instituição manicomial na qual esteve quase 50 anos da sua vida. Mas os registros não confirmam as histórias reproduzidas.
Tudo carrega uma aura mítica. Ele nasceu em Japaratuba, Sergipe, no ano de 1909, mas renasceu no Rio de Janeiro, em 1938, quando teve o grande surto, em que passou a se dizer Jesus, filho de Deus, carregando seu discurso com os delírios religiosos. A partir dali, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, passa a confeccionar suas obras. Vive cada vez mais recluso. Encontra meios de conseguir os materiais para a confecção da sua grande obra, o Manto da Apresentação, com o qual encontraria Deus. Ele desfazia os uniformes de internos da colônia para utilizar os fios nos seus bordados. Os funcionários, vendo esse incansável trabalho, passaram a colaborar com esses materiais. O intuito era traduzir com desenhos e palavras uma miniatura do mundo para levar para deus no dia de sua morte, o encontro com aquele que ele chamava de seu pai.
Ocupou muitas salas da colônia com suas obras. Fazia, desfazia, refazia. Não deixava que ninguém tirasse nada de lá. Não entendia como arte, mas dizia ouvir vozes, vozes que ordenavam que ele fizesse aquele trabalho, vozes de deus. A angústia dessas vozes o mantinha cativo dessa condição. Além disso, também entrava em longos períodos de mínima ingestão de alimentos, porque deveria se tornar transparente.
Bispo tinha uma frase para quem quisesse entrar no seu mundo, nas celas que continham sua obra, “qual a cor do meu semblante?, “qual a cor da minha aura?” Qualquer cor que dissessem era o passe para a entrada, não importando qual fosse.
Com a personalidade forte, ele conseguia fazer-se obedecer pelos outros internos, colaborava com os funcionários da instituição, com trabalhos e ordenação dos outros pacientes e com isso ganhava cigarros ou materiais para suas obras.  
Com a reforma da instituição, que estava largada e degradada, ele conheceu Rosângela Maria, uma estagiária que reagiu diferente àquela pergunta e como ele era tratado. O intuito dela era tirá-lo daquele estado autístico em que se encontrava, propor algum tipo de simbolização, além da própria obra. Ele reagiu a isso, criou um grande afeto por ela. Dizia que ela era diretora de tudo que ele tinha. Criou uma relação, fez obras para ela, permitiu que entrasse em seu mundo de uma forma diferente. Ela sabia que teria um fim esse trabalho e estabeleceu com ele também um processo de simbolização de uma separação.
É interessante pensar aqui a presença feminina de uma mulher alterando o estado delirante, trazendo algo que causou uma mudança subjetiva em Bispo. Ele tinha uma idéia muito rígida e moralista em relação às mulheres. Praticamente nada se sabe da vida sexual ou da sexualidade dele. Mas, diante dessa mulher, algo se revelou. Ele pede para ela se vestir diferente, quer torná-la o modelo do seu objeto de desejo. Ela resiste e segue com lucidez pelo trabalho que está fazendo. Algo aparece na obra dele nesse sentido, pois ele passa a criar um trono para ela, um ninho de amor para eles, algo particular e não apenas ‘miniaturas do mundo’ para apresentar a deus.
Nas obras encontramos tanto referências religiosas, quanto náuticas e militares. E ainda, temas de jornais sobre acontecimentos no mundo. Além do Manto, que é completamente bordado por fora e por dentro, até mesmo entre as bordas, ele também fez tais trabalhos de bordado em muitas jaquetas típicas de militares e procissões religiosas do nordeste. Se sabe que o ponto usado por ele nos seus bordados, é um ponto único, particular do artista. Ele também usou materiais que tinham sido jogados fora, quebrados, espécies de dejetos que retornam para um novo lugar, reorganizados de forma lógica. Construiu e reconstruiu objetos na sua miniatura do mundo.
Sua obra hoje pertence ao governo do estado do Rio de Janeiro, sob os cuidados do Museu Bispo do Rosário que fica dentro da Colônia Juliano Moreira. 

 Simone de Paula

"A água e a navegação tem realmente esse papel. Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer." Michel Foucault














Fontes de pesquisa
Livros
Jornalismo Cultural - Jorge Anthonio e Silva
Arthur Bispo do Rosário Arte e Loucura - Jorge Anthonio e Silva
Links
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Ros%C3%A1rio
https://museubispodorosario.com/arthur-bispo-do-rosario/
https://www.escritoriodearte.com/artista/arthur-bispo-do-rosario