segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Jornada da Comunicação além das palavras

Neste mês de novembro, apresentei 3 aulas, na Jornada Além das Palavras, falando da comunicação e sua importância no trabalho do psicanalista e do psicólogo. Essas aulas foram gravadas e ficam disponíveis para serem vistas futuramente.

 

O intuito desse trabalho foi o lançamento do curso EAD Desvendando a Comunicação Moderna, realizado junto ao Instituto Freedom, com o objetivo de mostrar como o conhecimento das teorias de Comunicação pode auxiliar na clínica, trabalhando com técnicas que vão além do sintoma do paciente e ajudam a perceber que a estrutura de linguagem que ele utiliza para falar é de grande auxílio para as interpretações.

Mais informações neste link abaixo:

https://www.hotmart.com/product/desvendando-a-comunicacao-moderna/I59416585O

 

O curso EAD Desvendando a Comunicação Moderna vai ensinar elementos importantes da linguagem, te ajudando a se comunicar de forma mais assertiva e ouvir bem o que o outro diz, gerando menos desentendimentos entre as pessoas. 

Profissionais de diversas áreas que lidam com pessoas das mais variadas idades, encontrarão nessas aulas conteúdo útil para melhorar as relações interpessoais. Porém, se você é psicólogo, esse curso é muito colaborativo para o seu dia-a-dia na clínica. Com ele, você poderá interagir com as ferramentas corretas para se desenvolver mais ainda.

Em tempos de virtualização das relações, redes sociais, emojis, memes, todos estamos sujeitos a cometer erros de julgamento diante do que nos chega. Portanto, esse curso foca especialmente nisso: saber dizer, para dizer simples e dizer bem.

Diante do vasto campo de estudos da comunicação, da linguística e da semiótica, a estrutura do curso foi pensada nos autores que mais operam com os aspectos práticos da linguagem.

Temos oito aulas teóricas, recheadas de exemplos práticos, mais dois bônus que ensinam a olhar para a cultura através do conteúdo aprendido nas aulas.

Na aula 1, falaremos de Comunicação e Linguagem, dando um panorama geral do tema. É o início da nossa trilha, então começamos pelo básico e simples. Comunicar vem do latim communicare, e quer dizer partilhar algo, tornar comum. Para tentarmos entender como adquirimos a habilidade de usar essa ferramenta, é só pensar no bebezinho. Ele pode nos dar uma ideia de como o homem desenvolveu essa capacidade. Primeiro com os sons, imitando o meio ambiente, depois convertendo esses sons em fonemas que são reunidos e podem transmitir algum significado. A isso damos o nome de signo. Daí, experimentamos registrar esses signos para que possam permanecer para as gerações futuras, e os primórdios da escrita são apresentados. Parece algo natural, mas que exige bastante do nosso aparato cognitivo e psíquico. Além disso, a comunicação ensina cultura, seja como a língua que falamos, ou o modo como entendemos o significado das coisas.


Na aula 2, vou trazer a teoria da linguística através de um estruturalista suiço, Ferdinand de Saussure. Ele propõe a diferença entre língua e fala e é quem definiu o signo linguístico como uma unidade composta por dois elementos, significado (a ideia que temos na mente com o que uma coisa quer dizer) e o significante (a forma que usamos para expor aquele significado, através de sons ou imagens ou palavras). Essa aula é bem importante porque ela vai se conectar com aulas futuras, pois é a base para a releitura de autores mais modernos bem como teóricos de outras áreas que operam com os elementos dessa  estrutura aplicada para outros campos de trabalho. Você passará a pensar nas palavras de um jeito mais calculado e com isso ganhará eficiência.
 

Na aula 3 vamos aprender sobre a semiótica de Charles Sanders Peirce e suas propostas triádicas para a interpretação dos fenômenos que se apresentam à nossa consciência. Ele pensa o signo como uma tríade - signo, objeto e interpretante. Vou te explicar direitinho isso e você vai ver que não é um bicho de sete cabeças. Além disso, ele propõe três categorias fundamentais com as quais definimos as coisas, e essas são chamadas de primeiridade, secundidade, terceiridade. É muito interessante e você vai passar a ler o mundo através delas.
 

Na aula 4, o russo Roman Jakobson nos oferece suas seis funções de linguagem. Essas funções definem como a mensagem se constrói e se transmite e quais as implicações apresentadas nisso. Como usar a função poética para uma mensagem mais interessante? Qual o melhor meio que devo usar para atingir o meu destinatário? Depois dessa aula você certamente vai entender melhor o que faz, e o principal, vai prestar mais atenção ao que chega a você. Atenção plena, mindfulness, não é isso que hoje tanto pretendemos para podermos experimentar melhor o que estamos vivendo? Olha aqui, um super encontro com a atenção plena.
 

Na aula 5, mais uma vez veremos um aspecto do estruturalismo, mas agora com Roland Barthes, esse francês que traz uma aplicação interessante do ensino de Saussure, na investigação das mitologias do dia-a-dia na atualidade. Uma vez que se conta sobre uma situação, se escolhe como se vai falar, para que aquilo não seja apenas o relato de um fato, senão uma história com intenção de falar mais do que apenas o ocorrido. Fala-se muito hoje de storytelling, pois bem, aqui você vai ver como construir melhor ainda as suas narrativas.
 

Na aula 6, é a vez de vermos a linguagem do inconsciente proposta por Sigmund Freud, da interpretação dos sonhos às piadas, como ele viu na linguagem o poder de tratar neuroses? Sob a máxima de ‘freud explica!’, hoje tentamos entender tudo, pois sabemos que há muita coisa que está inconsciente, que provoca reações emocionais e está escondido da nossa consciência. Vamos acompanhar a trilha de Freud em direção às descobertas do que fala em nós quando falamos. Até quem torce o nariz para este psicanalista vai olhar com novos olhos para a teoria dele.
 

Na aula 7, será apresentada a teoria do significante de Jacques Lacan no seu modelo de inconsciente estruturado como uma linguagem. Mais do que aquilo que eu quero dizer, ele nos mostra como vamos ouvir o que deve ser dito, mesmo sem que o eu saiba disso. O inconsciente aqui aparece a todo momento, especialmente pela apresentação das noções de sujeito e de enunciação, ou seja, o discurso que é falado ao invés daquilo que se gostaria realmente de dizer.
 

E na aula 8, teremos um gostinho do pós-estruturalismo. Esse movimento que toma corpo a partir dos anos 1970, tem muitos intelectuais e muitas renovações das teorias que ainda sustentavam o conhecimento humano. Mas escolhi Jacques Derrida, como o nome que interessa na nossa metodologia Através do conceito de différance, ele levanta questões sobre a escrita, algo que em tempos de redes sociais e interação através das telas, se faz muito importante. Ele vai além do modelo estruturado e investiga o que escapa a isso, o que vai além, ou fica aquém daquilo que pode ser reproduzido de modo uniforme, Também teremos o conceito de alteridade, algo que é fundamental nesse nosso momento em que tomamos o outro pelo nosso próprio modelo e esquecemos que o outro é completamente diferente de nós. Nessa aula, prepare-se para colocar os neurônios para trabalhar, pois Derrida é um autor que vai te tirar do lugar comum e exigir que você trabalhe junto com ele na teoria.
 

Nosso primeiro bônus foi pensado para fazermos juntos um exercício de análise semiótica. Tomo os principais pontos da teoria e vou te mostrando as possibilidades de leitura daquilo que estiver vendo. Mais do que correr para o youtube para ver como um especialista sobre cinema vai falar sobre o filme, quero que você experimente o prazer de encontrar, nas várias camadas de linguagem, os significados que estão ali naquela obra. Fazer a SUA interpretação. Escolhi a HQ americana Sherman’s lagoon e o longa-metragem de animação francês, Bicicletas de Belleville. Se não conhece, vai gostar.
 

E para o segundo bônus, escolhi trazer dois produtos da comunicação na internet: as fakenews e os memes. A estrutura de linguagem desse novo material da indústria da comunicação exige astúcia da nossa parte. O mundo mudou muito rapidamente com as novas tecnologias e ainda não estamos completamente habituados com o que é gerado através delas. Como saber se uma notícia é falsa ou não? Que graça tem nessa imagem de um urso com uma frase sem sentido sobre ele? A linguagem da internet é muito veloz, além de ser substituída com muita rapidez também. Nada se retém, mas introjetamos as mensagens sem tempo para simbolizá-las. Esse é um foco de atenção dos nossos tempos. Veremos como podemos ficar atentos para as pegadinhas que as notícias falsas apresentam e como caímos fácil nos novos discursos enganosos. E vamos nos divertir com os memes, que exigem muito repertório para acompanharmos essa linguagem rápida que comunica muito em um golpe só.


Bom, acho que com tudo isso você não vai querer perder, né?

quinta-feira, 24 de junho de 2021

O que é a Voz na psicanálise

O texto abaixo foi apresentado na palestra de abertura do núcleo a-riscado, núcleo de estudos lacanianos, do Instituto D'Alma, que aconteceu em 23/6/21.

O que é a Voz

 

 
Sound of the wind - Han Hsu-Tung (artista taiwanês)

 
Feminismos. Feminismas. Fé em mim mesma - Elisa Riemer (artista brasileira)


Escolhi o título desta palestra inspirada pela antiga coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense. Alguns de vocês vão lembrar desses livrinhos que tinham o intuito trazer uma síntese sobre algum tema, sem almejar a conceituação definitiva, apenas a abertura para novos estudantes.

O curioso dessa coleção é que temos 2 versões d’ O que é Psicanálise, afinal, a psicanálise não busca chegar numa unificação de ideias, mas provocar a cisão das certezas, propor desarranjos, e visa diálogos possíveis. Digo possíveis porque abrir um diálogo é justamente dar lugar ao outro, aquele da diferença, do desconhecido, da surpresa. E isso dá um trabalho e tanto.

A partir dessa curiosidade, já introduzi o tema da Voz. 

Por que duas versões sobre um mesmo tema? O desacordo entre os autores! 

Fábio Hermann, psicanalista autor da primeira versão, foi durante muito tempo o presidente da SBPSP, ligada à IPA, mantendo as regras deixadas por Freud, seguidas à risca pelos membros das associações espalhadas pelo mundo. Na segunda versão, os autores Oscar Cesarotto e Márcio Peter de Souza, também psicanalistas, o primeiro argentino e o segundo brasileiro, estavam à frente da EBP, que transmite a psicanálise nos moldes lacanianos de ensino. Já dá para ver que não existiria um consenso entre eles. Que voz estava por trás do discurso que cada um entendia que deveria apresentar a psicanálise? Mais do que ideias diferentes, há culturas diferentes nas formações desses homens e sujeitos marcados pelas suas experiências de formação. A Voz falou, convocou os sujeitos. Não foi uma encomenda da editora, mas a reivindicação dos autores para que a psicanálise conservasse o seu principal fundamento - não ser unívoca, ou seja, não há apenas uma voz que pode falar sobre isso. Primeiro o desacordo (proposto por vociferações?), depois a cisão,e por fim o diálogo (possibilidade de fazer uma versão diferente sobre o mesmo tema e manter as duas disponíveis para os leitores). A história da psicanálise se repete a cada anedota que contamos sobre psicanalistas. 

Vou fazer uma breve exposição sobre a Voz na psicanálise, para nos localizarmos em relação a essa diferença significante entre o que entendemos por Voz, como um órgão fonador, e o que temos como Voz no campo psicanalítico. Não pretendo ser por demais técnica, visto que esta palestra, nem nos dá tempo para isso e nossa audiência é híbrida, nem todos são do campo da psicanálise. 

Quando escutamos a palavra voz, naturalmente somos remetidos ao audível, ao sonoro. O fenômeno da voz humana, aquilo que se dá à nossa consciência, portanto ligado ao nosso sentido auditivo, não responde às questões que a psicanálise se coloca quando há um desencontro entre o que foi emitido e o que é escutado. 

Hoje tem sido muito comum, pelo excesso de psicologização com o qual convivemos, a frase: eu sei o que eu disse, o que você escutou é problema seu. Alto lá! Para a Comunicação, responsável pela mensagem é o emissor, porque este deve encontrar os meios de dizer aquilo que quer de forma a ser entendido. Se o receptor não entendeu, quais são os ruídos que existem aí? 

Bem, a psicanálise não trata da comunicação entre sujeitos, porém, há algo desse desencontro na própria estruturação psíquica de nós enquanto sujeitos divididos, sujeitos da fala, sujeitos do inconsciente. Não é o sujeito com o outro semelhante, mas é o sujeito com o grande Outro, tentando dar coerência ao que diz.

Nomeamos Voz uma das faces do objeto pequeno a. Quando pensamos em objeto na psicanálise, não estamos falando de uma coisa, que existe na realidade material, mas estamos falando daquilo com que lidamos no campo da fantasia, aquela figura com a qual nos relacionamos como forma de compor a nossa existência. Estou simplificando as coisas aqui, mas é um modo de apontar isso. Buscamos satisfação através desse objeto. Se estivermos no campo da necessidade, para fome teremos comida. Mas, para os campos de demanda e desejo, a satisfação (impossível de ser atingida, por isso nosso mal-estar enquanto humanos), visa o objeto, mas precisa de significantes, palavrinhas, embaladas em gozo, para poder tentar atingi-lo. As zonas erógenas, destacadas no corpo, se relacionam com esses objetos virtuais, algumas delas coincidindo com nossos sentidos corpóreos, por isso se faz tão importante distinguirmos a questão daquilo que faz parte da audição e o que faz parte da invocação, que nos cabe na psicanálise. É lógico que as pessoas ouvem, mas elas ouvem o quê?

Nasce o bebê - eu tenho um vício de voltar ao bebê quando pretendo ilustrar conceitos psicanalíticos, mesmo que as coisas não se passem como um desenvolvimento. Porém, me parece um meio de apresentar as coisas, especialmente porque queremos aqui chegar no prato principal da nossa palestra: Arthur Bispo do Rosário. O bebê está imerso nos sons ao seu redor. Desconhecido e caótico, apenas um som ininterrupto, perturbador, vociferante. Como não se fecha o ouvido, ali ‘não há esfincter’, é preciso uma operação do bebezinho para fazer calar aquilo que não para de falar. É o rádio do vizinho. Fazer uma cisão, abrir um espaço vazio naquele barulho ensurdecedor. Essa operação, Jean Michel Vivés, nomeou de ponto surdo. É preciso criar um ponto surdo, que para Vivés é uma espécie de recalque originário daquela zona, para poder realmente ouvir algo. Com esse dispositivo, ou seja, por poder fazer calar, nos separamos daquele objeto que estava acoplado ao nosso corpo e passamos a lidar com ele, na tal composição da fantasia. Recalcado, próximas operações seguem. Agora o bebê consegue fazer calar para poder falar e escutar. 

Vemos aquelas cenas idílicas, de mãe e bebê na formação da linguagem através das prosódias, estabelecendo um encontro afetivo através dos sons. Nesse momento, as misturas do timbre, dos sons e silêncios, das vogais ininterruptas, tramando uma teia de suporte para os significantes que constituirão o sujeito. Fonemas que se transformam em sílabas, que são repetidas pela mãe e pelo bebê, definindo as atribuições de sentido para aquilo que era só um modo de vocalizar. Os significantes vão se tornando palavras, que o bebê registra e precisa discernir entre os significados que são ditos sobre eles. E ainda, os significantes de alto valor psíquicos que permanecem inconscientes, fomentadores de faltas e desejos. 

 “Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve”, frase enigmática de Lacan, que depois de décadas de estudo, nos parece a fórmula mais exata para um conceito tão delicado, cheio de dobras, contornos, velamentos e revelações. Barroco, eu diria. Essa frase parece um bom guia do estudo aprofundado sobre a Voz, que possivelmente desenvolveremos no futuro.

A Voz ficou lá atrás, como um objeto perdido nesses encontros e desencontros, intraduzível, mas atiçando a vocalização, sendo buscada quando ouvida sem se saber que foi ela que falou em nós. 

O neurótico, mantém o objeto longe, flertando com ele, tentando alcançá-lo, mas sabendo que ele está separado. Já o psicótico, esse carrega o objeto no bolso, sempre ali, juntinho de seu corpo.É comum vermos psicóticos com o radinho no ouvido, colado ao ouvido, porque assim ele sabe de onde vem a voz que ele não para de ouvir.

Sujeitos estruturados na neurose, dialogam com eles mesmos, supondo que essa voz faz parte deles, entendida como pensamento. Já na psicose, a voz vem de fora, como se alguém estivesse dizendo aquilo que parece ser escutado com o ouvido. É muito comum os pacientes psicóticos, através dos seus delírios de caráter religioso, ouvirem a voz de deus.

E com isso, passamos ao Bispo.

https://clinicadacultura.blogspot.com/2020/06/arthur-bispo-do-rosario.html 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Por fim, a palavra

O texto abaixo foi escrito para o grupo Corpo (en)Cena, fazendo a palavra circular entre pares e alguns outros.


Por fim, a palavra

 por Simone de Paula

Uma questão universal retorna aos palcos da vida toda vez que a palavra falha diante do mal que escancara a impotência humana: eliminar o que contraria crenças e opiniões, saneando o mundo. 

Isso reflete um aspecto impactante de nossos tempos: frente aos limites do excesso de exposição a que estamos demandados, as chamadas políticas do linchamento, ou cancelamento virtual, visam a morte de quê? 

É no espaço público que a cultura se constrói e se compartilha. Regras e normas são experimentadas fora dos domínios privados, onde a censura mostra a sua face moral, muitas vezes cruel. Mas ao mesmo tempo, os laços entre as diferenças são estabelecidos com a mediação simbólica transmitida entre seres falantes.

As operações de linguagem oferecem as condições de representação para dar conta dos afetos humanos, evocando criação e figurabilidade, para as questões da existência, extrapolando a literalidade das aparências, diversificando o sentido único do imaginário. Essa qualidade funciona como uma alternativa à visão plana com que tendemos ler os fatos do mundo.

É próprio da criança e do artista utilizarem as formas de representação para dar vida aos seus impulsos primitivos, colocar num espaço lúdico as paixões e os medos, estabelecer os limites da relação com o outro. Um escritor trabalha com elementos recorrentes do campo social, oferecendo um debate, através da linguagem. O modelo do diálogo, que pela própria estrutura já inclui a duplicidade, traz a polissemia da palavra, mesmo que para isso, sejam necessários dois personagens dizendo coisas afins e opostas ao mesmo tempo.

Porém, temos visto com mais frequência, cenas que seguem na contramão dessa possibilidade com a palavra. Na política do cancelamento, o que se intenta é a eliminação da diferença dos sentidos, uma verdade única sobre o certo e o errado, deveres e obrigações, inibição do impulso ao questionamento e consequente anulação do sujeito.

É o pensamento totalitário, que através de práticas de intimidação, que se intensificam diante da resistência, partem do ataque verbal, podendo chegar à violência física, e até mesmo à morte. A linha de chegada é o fim da existência. Eliminar o outro, que não ecoa a voz de comando com a qual a massa se identifica, é a forma mais habitual de destruir sujeitos e apartar ainda mais a potência da palavra como mediadora das diferenças e produtora de novos sentidos. 

A palavra dá bordas, dá corpo, delimita um espaço em que se diga algo, não tudo. Porém, essa mesma palavra, pode promover confinamento, determinar uma barreira tão estreita, que a pessoa, na impossibilidade de dialogar com outro, toma a si mesma como referência da verdade. Essa contradição é própria da condição humana e para que o sujeito tenha espaço de existência, precisa transitar entre esses dois polos: um solitário e outro múltiplo, polo das diferenças. O absoluto é o infinito e, ao mesmo tempo, o fim.

O nosso imaginário comporta a história que aconteceu no passado. Somos produto do nosso tempo, mas experimentamos através da memória gravada nos fragmentos deixados pelos antigos, o que é da ordem universal que ainda ressoa em nós. 

Seja nas ruas, nos palcos de teatro, nas salas de cinema, ou mesmo nas telas de televisão, o que se veicula são ficções, cenas que simulam a realidade, como forma de expor várias faces de uma mesma questão. Mesmo nos chamados reality shows, o que temos é a apresentação de uma história, com pessoas-personagens, que sustentam um certo imaginário coletivo que chamamos de realidade. A realidade não é o real, pois já é codificada de forma a significar algo para aqueles que transitam por ela. O nome reality show traz a dupla face da realidade, que não se encerra no fato que foi apresentado, mas também transmite uma versão interpretada desse fato, uma representação atravessada pela nossa subjetividade e pelo discurso da moral vigente. A inclusão da palavra show agrega o espetáculo, a produção artística. E ainda, os dois termos são ligados por um hífen invisível, que impede um de funcionar sem o outro para poder dizer o que se deseja. São pessoas de carne e osso interpretando as suas próprias identidades.

Parece que o que salta, fica destacado dessa configuração, é o discurso que sustenta o espírito totalitário: extrapola os limites da tela que enquadraria uma ficção declarada, intentando determinar uma nova ordem moral, de identidades estanques veiculando o novo modo de ser no mundo.

É próprio das mudanças culturais, das rupturas dos paradigmas, algo que escapa ao simbólico, expressando-se apenas no ato em direção aos novos rumos que se almeja. O impulso social se direciona ao que se imagina ser algo melhor, uma evolução, maior liberdade e mais direitos a todos. Esses movimentos são legítimos, mas parecem buscar no modelo fundamental da expiação pública, através da agressividade e da intimidação, a forma de fazer mudar o que não funciona mais. Porém, a mudança só é possível a partir de um novo simbólico operante, uma nova fala que faz dialogar os sujeitos. 

Gostaria que esse texto pudesse ter um tom mais poético, mas o tema é por demais cru para que se possa embelezar isso que estamos vivendo.

Então, recorro a dois escritores, artistas das palavras, para terminar nas vias da poesia:

 “Busco na realidade aquele ponto de inserção da poesia que é também um ponto de intersecção, um centro fixo e vibrante onde as contradições são anuladas e renascem sem trégua.” -Octavio Paz - Os signos em rotação 

 

 “Qualquer ideia que te agrade,

Por isso mesmo... é tua...

O autor nada mais fez que vestir a verdade

Que dentro de ti se achava inteiramente nua…” - Mário Quintana, In: Poesias.


sábado, 23 de janeiro de 2021

Grandes pausas do rock'n roll por Alison Blake

A sequência de imagens abaixo é parte integrante do livro A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan.

Esta publicação serve de apoio à análise crítica do capítulo 'Grandes pausas do rock'n roll por Alison Blake, do livro de Egan, e visa possibilitar aos leitores do artigo, acessarem o material traduzido e tratado no paper.

A escolha pelo registro através de fotografias das páginas traduzidas, ao invés de reproduzir os slides de power point que compõem o texto, se justifica por ser um tema que é bastante desenvolvido por Roland Barthes, autor de referência do meu artigo.

A qualidade das fotos, bem como o enquadramento, são propositalmente feitos para manter as marcas do que se trata: uma foto caseira de um livro. Seguindo o modo de ver de Barthes, não caberia aqui esconder os limites e falhas próprios desse tipo de registro.

Simone de Paula

 

 


 
































 












































Para ver o ppt na língua original, use o QR CODE abaixo.


Este material é parte integrante do artigo escrito em 2021 e publicado na revista Leitura Flutuante com uma análise semiótico-psicanalítica que fiz sobre o livro A visita cruel do tempo.

Fragmentos do Rock